«A União Europeia (UE) adiou a adesão da Turquia para as calendas gregas, com o receio não assumido da integração de um país muçulmano, baseando-se no argumento sensível e sensato do incumprimento do Estado de direito. Erdogan encontrou nessa recusa dissimulada os argumentos para diminuir ainda mais as liberdades e garantias num país historicamente hesitante entre o Ocidente e o Oriente.
A ameaça a esse denominador comum europeu da democracia e do Estado de direito não veio de Ankara, mas sim do cavalo de Troia do populismo nacionalista que tomou conta de Varsóvia e de Budapeste. Polónia e Hungria, ao bloquearem a aprovação do orçamento plurianual, não estão apenas a paralisar as economias dos restantes Estados da União num cenário de crise geral. Estão a sabotar as regras e valores básicos de uma comunidade assente em princípios democráticos e a fazer a defesa da sua autocracia.
A retaliação dos dois países, por causa do mecanismo que faz depender o acesso a fundos extraordinários do respeito pelo Estado de direito, que prejudica todos os cidadãos europeus e a própria UE, expondo a sua inércia e inaptidão num momento tão crucial, é a confissão de quem não nutre pela democracia qualquer empenho ou respeito e que faz da discriminação e da perseguição a minorias uma política desumana e nada cristã. Só Angela Merkel pode conseguir uma decisão por unanimidade.
Merkel, a defensora do alargamento a leste, é o espelho da moderação na Europa, e não hesitou em se afastar higienicamente desse populismo autocrático no momento certo, quando se torna cada vez mais atraente transformar esse capital eleitoral em algo palpável e açoriano. Rui Rio pode falar alemão, mas não é Merkel.
Donald Trump inspirou autocratas por todo o lado e alguns deles têm assento no Conselho Europeu. A eleição de Joe Biden não terá reflexos apenas nos EUA. A vitória da moderação, nestes tempos de radicalização e polarização, pode representar um novo período de valorização da democracia e de rejeição da demagogia mentirosa de políticos sem escrúpulos. A boa notícia é esta: Trump vai deixar de ser a caução destes autocratas. A má notícia é que estes poderão não ter assento em Washington, mas continuarão a ter o seu lugar à mesa em Bruxelas. A democracia europeia não pode ser refém de quem a recusa.»
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