20.11.20

Respostas mínimas, crise máxima

 


«Há duas formas de errar profundamente na resposta a uma crise. A história mostra que a mais habitual é ignorar a origem da crise, o que leva não só a respostas erradas como a na maior parte das vezes ao desastre. A segunda forma, menos banal mas não menos problemática, é a de responder com medidas pequeninas perante uma grande crise - o tamanho importa nas respostas públicas para a economia. 

Foi no sossego do seu cargo dourado de governador do Banco de Portugal que Mário Centeno entrou no debate sobre as respostas públicas na presente crise. Estando o país com a segunda vaga da pandemia nas mãos, havendo vários setores económicos que legitimamente contestam a falta de apoios públicos, tendo disparado o desemprego assustadoramente batendo agora à porta de 655 mil pessoas (das quais só 230 mil recebem subsídio), o refastelado governador afirmou doutamente que “mais do que nunca, as novas políticas devem atuar na margem”. De uma penada esclareceu o caminho que defende: limitação dos apoios sociais e à economia, medidas pontuais com duração restrita no tempo e nos montantes. Afinal, tentar tapar com remendos o enorme buraco que a crise económica está a criar - assim não vamos lá. 

Centeno até reconhece efeitos estruturais desta crise (pudera!), mas dá um rotundo não a respostas estruturais. Por ele não se mudam apoios sociais durante uma crise, nem se usa o investimento público para dar um empurrão à economia. Porquê? Porque em primeiro lugar está a dívida pública, só depois as pessoas, a economia e o país. Parece que recuamos a outros tempos de má memória. 

A dívida pública já foi o argumento com que nos chantagearam em crises anteriores. Serviu para legitimar um programa destruidor da troika, implementado por PSD e CDS, que cumpria uma agenda punitiva contra os países do sul. Como hoje sabemos, a austeridade acrescentou crise à crise que já existia. É um dos exemplos em que as medidas económicas implementadas não tinham relação nenhuma com a crise que verdadeiramente existia - seguiam uma agenda ideológica (quer nacional, quer europeia). 

A nova cartilha Centeno ressuscita esse papão para pedir contenção. No entanto, sem medidas fortes para enfrentar a crise, será a força da crise que nos dominará. Sabemos o que acontecerá se não protegermos o emprego e o tecido económico: as falências suceder-se-ão e o desemprego será catapultado. Não é teoria, é a certeza de um mau futuro a desenhar-se à nossa frente se seguirmos os mandamentos do governador. E, se ainda estamos a tempo de evitar esse cenário, o momento em que as medidas anti-crise são executadas é uma variável fundamental para o seu sucesso. Chegar tarde pode, muitas vezes, significar chegar tarde de mais. São estes os riscos que corremos. 

Depois das palavras do novel governador, foi a vez da Comissão Europeia entrar neste debate. Desta feita, perdeu-se em elogios ao Orçamento do Estado apresentado pelo Governo. Mas há elogios que são venenosos: afirmam existirem “sustentabilidade orçamentais prudentes no médio prazo” e que “as medidas de apoio devem ser temporárias e não comprometer a política orçamental no período pós-crise” - quase parecem repetir Centeno (ou terá sido ao contrário?). 

A prudência aqui não é uma virtude, pode ser um grave problema como estamos a ver, deixando pessoas e setores económicos para trás. Soa a desistência. E, se deixarmos a crise avançar, mais difícil e custoso será sair dela. Não por acaso, num comprimento de onda bem diferente, o presidente do Parlamento Europeu, defendeu o cancelamento da dívida gerada no combate à covid. 

Não é inevitável sermos vencidos pela crise, deixar cair empresas que eram viáveis antes da pandemia, permitir a destruição de postos de trabalho que serão necessários daqui a meses. Essa é a proteção que precisamos para o país e que é justificada por este momento de emergência. Não queremos recauchutar chantagens nem abrir portas a fantasmas, é uma resposta corajosa que se exige em nome do futuro do país.» 

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