«Quando três membros do Governo passam quase três horas a anunciar um pacote de medidas ao país, o caso é sério. Todos guardamos marcas mais ou menos impressivas da tortura que eram as infindáveis conferências de imprensa do ministro Vítor Gaspar a anunciar colossais aumentos de impostos nos tempos do país falido, e, embora a galáxia socialista seja perita em propaganda, percebeu-se que a aparição de António Costa, Fernando Medina e Marina Gonçalves não era para falar de vacas que voam. Com a habitação já não dá para brincar mais.
O primeiro-ministro sabe disso há muito tempo, mas pecou onde normalmente peca — deixa andar, que logo passa —, e foi de promessa em promessa até ao falhanço final. Em 2015 vinham milhares de casas, em 2018 a luz chegaria em 2024, mas no arranque de 2023 Costa levou com uma sondagem na testa. Realizado em dezembro, ainda antes da remodelação que criou precisamente o Ministério da Habitação, o estudo de opinião do ISCTE para o Expresso e a SIC era claro: 90% dos portugueses diziam que há um problema com habitação no país. E dissecavam-no em linha com o que há muito é percecionado por toda a gente: falta habitação pública, falta regulação do mercado, falta oferta privada e pesa o Alojamento Local. Aos partidos, o estudo apontava a falha de não colocarem a habitação como central na discussão política. E de repente o mundo mudou.
O pacote parece um teste de cruzinha — prefere um apoio à renda, um benefício fiscal no crédito, um arrendamento compulsivo ou que o Estado lhe subalugue a casa — e deixou-se contaminar pela ideia mais tóxica que a direita abocanhou para fazer barulho. Mas os pés de barro do pacote são outros. Helena Roseta, que sabe do que fala desde que, em 2018, teve que bater com a porta do grupo de trabalho que no Parlamento preparava medidas sobre arrendamento porque o PS decidiu adiar tudo por razões orçamentais e só deu luz verde à lei de bases da habitação um ano depois, já veio pôr o dedo na ferida. “Uma publicação em PowerPoint não substitui o acesso aos projetos de diploma necessários”, até porque “há medidas que já existem e há outras que já se tentaram e não deram em nada”.
Depois de sete anos a empurrar com a barriga, o Governo fez o que se faz sempre quando as sirenes tocam — disparou uma bazuca. E está todo contente porque já ninguém o pode acusar de não ter iniciativa política. Mas, quando o Presidente da República comparou o pacote a um melão, expôs a fragilidade da coisa: nem o Governo sabe o que vai sair dali.
A crer noutra sondagem, desta vez da Universidade Católica — estamos sempre a duvidar delas, mas voltamos sempre lá —, António Costa tem tempo. Mais de metade dos inquiridos (53%) acha o desempenho do Executivo socia¬lista mau ou muito mau, mas 70% defendem que o melhor é, mesmo assim, deixá-lo cumprir o mandato até ao fim. Faltam três anos e Costa conhece bem o país — deixa andar, que passa. Pode ser que o melão se aproveite.»
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1 comments:
Evidente!
Tanta casa sem gente e tanta gente sem casa!
O problema é demográfico, de ordenamento territorial e de práticas que conduzam à coesão territorial e social.
O resto são políticas!
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