«Com a conivência e a análise do Ministério Público e a natural cobertura da lei, ponderadas que foram as variáveis e os diversos indícios, a decisão de fazer uma “operação especial preventiva” no Martim Moniz, em Lisboa, torna a fractura social ainda mais exposta. A narrativa anti-imigração ganhou força pela colagem do centro-direita ao discurso maniqueísta da extrema-direita e, agora, substantiva-se numa operação policial em que encostam cerca de 30 pessoas à parede para encontrar uma arma branca. É assim que erguemos um muro.
A presença massiva de armas é, habitualmente, uma das mais fortes razões que sustentam a autorização judicial destas operações policiais. A construção da narrativa podia até ter sentido um abalo ao saber-se que o único detido tem nacionalidade portuguesa. Mas nem isso. A confrangedora demagogia racista do discurso anti-imigração ganhou pela acção e não pela cura dos resultados. Falar em prevenção numa operação deste calibre, onde dezenas de pessoas são encostadas à parede pelo lugar, pela desconfiança e pela cor da pele, é um atestado inqualificável de como fazer tudo ao contrário, menorizar a justiça e sair pela porta dos fundos. Um protótipo de racismo de Estado, pelo que obsceno é pouco.
O efeito dissuasor é muitíssimo questionável, sobretudo porque se percebe que há uma tentativa de criar uma história que acaba por se consubstanciar em muito pouco, quando há tantas outras formas de tratar questões tão sensíveis como estas. Uma delas é evidente: as camaratas ilegais onde centenas de imigrantes vivem, sem condições senão a da exploração total, nas traseiras de tantas lojas de “souvenirs” de Lisboa e Porto. O que esperam as autoridades para fazer o que realmente é necessário, antes que uma tragédia literalmente rebente, ao invés de criar uma falsa sensação de segurança ao encostar três dezenas de pessoas para apanhar uma mão cheia de nada? Totalmente desproporcional.
E assim chegamos a um balanço provisório da Polícia onde constam alguns artigos contrafeitos, 4600 euros em numerário e um detido português por posse de arma branca e droga. Isto, enquanto as imagens falam por si, valiosas pela apreensão evidente de que a demagogia ganhou e do que pode vir a repetir-se. Sem menosprezar a necessidade de regular e criar policiamento de proximidade em zonas críticas, a operação do Martim Moniz é tudo o que não se deve fazer. Basta sair à rua numa qualquer noite de fim de semana numa grande cidade. Quem sabe se com portugueses teriam igual ou melhor sorte.»
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