17.12.24

D. Henrique Eduardo Passaláqua, o nacionalista imperfeito

 

Capa da Revista da Armada

«Começo por fazer um mea culpa, confessando a incapacidade de silenciar a batota de um almirante que utiliza os meios do Estado para promover a sua pré-candidatura presidencial. Não posso, sequer, apontar-lhe o dedo por fazer o que nunca teria sido feito, de forma pacóvia, por governos sucessivos e autarcas em revistas que têm mais fotos dos incumbentes que páginas nas ditas publicações. Retribuir a atenção que ele nos impinge de forma tortuosa é beneficiar o infractor dando-lhe publicidade para lá daquela que ele pagou com o dinheiro dos nossos bolsos. Não há como escapar, acontece com ele o que acontece com a generalidade dos populistas, são beneficiados porque não parámos de falar deles e são beneficiados quando calamos a denúncia das suas diatribes encapotadas. Fazendo uso do direito à indignação, decretado em tempos pelo pai da democracia portuguesa, que não lhes aproveite o nosso silêncio.

Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, de seu nome completo, já nos tinha tentado convencer que “a farda ajuda” a resolver os problemas em Portugal, dando de si próprio a imagem de um timoneiro que impõe a autoridade, a ordem e a disciplina, como é suposto termos visto no combate à pandemia. D. Henrique, no entanto, não apenas se apresenta como o homem do leme, como se arroga com capacidade de ensinar alguma coisa a D. João II. Este rei, a quem chamamos Príncipe Perfeito, também tinha defeitos e nunca se pode esquecer que a centralização do poder e a repressão sobre a nobreza (mandou matar ou matou quem lhe fazia frente) fez dele o percursor do absolutismo.

Obviamente, não é esta faceta de D. João II, autocrata que não olhou a meios para manter e reforçar o seu poder, que D. Henrique quer realçar. O que ele quer é que nos lembremos deste rei inteligente e hábil que delineou um projecto que acabaria por levar os portugueses pelo mar até à Índia e que depois fez nascer toda a portugalidade. Tinha-me passado completamente despercebido, até o ouvir no podcast Lei da Paridade, mas o almirante aproveitou uma das suas palestras como CEMA para dizer o seguinte: “Portugal é uma grande nação dividida em diferentes estados, digamos a portugalidade, somos uma grande nação que se dividiu no estado português, no estado cabo-verdiano, no estado brasileiro, no estado angolano, etc.”. “Vamos ver se nos entendemos”, como dizia Oliveira Salazar, antes de começar a explicar porque é que em relação ao Portugal ultramarino nós tínhamos razão e o resto do mundo não, esta tirada de D. Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo é uma pérola!

Com as devidas distâncias, porque não se imagina D. Henrique Eduardo a mandar suprimir a existência dos seus adversários, começa a não ser difícil imaginar o almirante-candidato a promover a existência de um partido nacionalista que o ajude a centralizar poder no palácio de Belém. Ao apresentar-se fardado e associado a D. João II, o candidato quer ser visto como alguém que, além de garantir a lei e a ordem, também é capaz de resgatar o orgulho nacional e devolver o país a um caminho de grandeza, para benefício do povo que vem sendo prejudicado pela acção da nobreza partidária. Esta imagem que valoriza as tradições e o nacionalismo está para lá da questão de saber se o candidato é militar ou não, até porque já terá passado à reserva, porque a ideia mais forte é a de que D. Henrique Eduardo Passaláqua vem de fora da política partidária.

Se por tudo isto, os portugueses escolherem Gouveia e Melo para a Presidência da República é a democracia a funcionar, mas convém que se procure explicar o que está em jogo, a começar pelo facto do presidente não ter entre as suas competências a de governar o país. A não ser que subverta o sistema.»


1 comments:

Fenix disse...

A democracia a funcionar, aberta a tudo e a todos, qualquer dia afunda-se com toda a tralha que, supostamente, deve ser absorvida no sistema...