19.4.20

A pandemia não está a trabalhar



«A sucessão de números que vai ler pode provocar-lhe alguma angústia. É compreensível, mas, infelizmente, não se trata de um retrato de um futuro distante, mas da realidade atual.

No curto espaço de um mês, a nossa economia foi virada de pernas para o ar. Neste momento, há quase um milhão de trabalhadores em lay-off. Um terço dos trabalhadores do sector privado têm os vínculos “suspensos” e a remuneração reduzida. Colocando em perspetiva, no final de março estavam 3361 empresas em lay-off, abrangendo 72.507 trabalhadores. Hoje são perto de 70 mil as empresas que recorreram ao lay-off e o número de trabalhadores atingidos multiplicou-se por 13 em 15 dias. Se olharmos para uma série mais longa, não encontramos nada do género: em 2009, em plena Grande Recessão, tivemos o valor mais alto das últimas décadas, com 19.500 trabalhadores em lay-off no conjunto do ano.

Esta entrada súbita da economia portuguesa em apneia vai permitir que muitas empresas retomem a sua capacidade produtiva, mas em muitos casos o lay-off será a antecâmara para o encerramento definitivo de atividades e para o desemprego. Aliás, nas últimas semanas, o desemprego registado tem crescido a um ritmo avassalador: 4 mil novos desempregados todos os dias, na comparação homóloga.

Não espanta, por isso, que um inquérito breve do INE e do BdP tenha apurado que 7% de empresas já fecharam definitivamente, 80% tiveram uma redução de faturação e, destas, 37% viram as suas vendas cair para menos de metade. Talvez assim se perceba melhor as projeções dantescas do FMI para as economias em 2020, durante o Grande Confinamento.

Mas a pandemia não vai afetar todas as economias da mesma forma. As vulnerabilidades preexistentes agravar-se-ão e fará diferença o padrão de especialização de cada economia.

O mercado de trabalho português é marcado pelos baixos salários e pela precariedade (em 2018, mais de um terço dos trabalhadores do privado tinha um contrato de trabalho não permanente e 76% do emprego líquido criado no privado nos últimos seis anos assentou em vínculos precários). São estes os trabalhadores mais vulneráveis.

Do mesmo modo, a dinâmica de emprego dos últimos anos traz consigo elementos de fragilidade. Entre 2013-19 foram criados 500 mil postos de trabalho, entre os quais 75 mil no sector do alojamento e restauração. Empregos que, agora, ficarão muito expostos a este choque brutal de procura. Os dados preliminares dão conta de que nestas semanas, neste sector, 62% das empresas encerraram temporária ou definitivamente.

A menos que ocorra um surpreendente volte-face na Europa, todos os euros que o Estado agora gasta a oxigenar a economia terão de ser financiados no futuro com um aumento de impostos que ninguém tolerará ou com cortes na despesa que serão inaceitáveis. Esta crise de endividamento coexistirá com uma pandemia económica de contornos inéditos. Vai ser necessária muita coragem.»

.

0 comments: