10.1.24

Cai mal a Montenegro o casaco do avô

 


«Para responder mediaticamente o congresso do Partido Socialista, Luís Montenegro marcou, para domingo, o lançamento da Aliança Democrática (AD). A aliança entre o PSD e o CDS tem três boas razões para a acontecer: garantir o regresso do CDS ao parlamento, para que a IL e o Chega encontrem um competidor que seja fável para o PSD; começar o processo de transferência organizada de bons quadros do partido para o PSD, extinguindo com dignidade um dos partidos fundadores da democracia; e aproveitar todos os votos, que o método de hondt valoriza, de um partido que, apesar de tudo, ficou à frente do Livre e do PAN nas últimas eleições. Nada há mais para além disto. Nem alargamento, nem uma nova esperança, nem um regresso às origens. O problema é ter-se tentado fingir que esta coligação era o que não é.

Se, como Luís Montenegro tem anunciado, o PSD queria dar um sinal de abertura à sociedade civil e aos independentes, para alargar a base eleitoral para setores que votaram no PS, a escolha de Miguel Guimarães não podia ser mais absurda. Até Rui Moreira seria mais eficaz. O anterior bastonário da Ordem dos Médicos não representa apenas o pior do corporativismo nacional, que diz muito pouco à grande maioria dos portugueses. Não representa apenas a subversão da função das ordens profissionais num país onde elas têm um poder muito superior ao resto da Europa. Representou, durante a pandemia, a mais descarada instrumentalização política de uma organização de autorregulação, no mesmo momento em que o PSD de Rui Rio revelava um grande sentido patriótico. Miguel Guimarães não seduz ninguém que não seja, à partida, eleitor do PSD.

Compreende-se a vontade de Montenegro de aproveitar os problemas nas urgências hospitalares nesta altura do ano (é interessante revisitar o debate parlamentar sobre o tema, em janeiro de 2015, quando Paulo Macedo era ministro da Saúde) para falar do SNS. É natural que boa parte da campanha do PSD seja contra quem esteve no governo nos últimos oito anos. Mas seria de esperar uma ideia, uma proposta, qualquer coisa que se afirmasse pela positiva no tema que escolheram como central, quando se apresenta a candidatura. E isso não aconteceu. Não se pode passar uma intervenção a falar do adversário e, no meio dela, dizer, como disse Montenegro, que este “não é um movimento ressabiado”.

A política tem os seus momentos artificiais e o congresso do PS esteve cheio deles. Mas não basta Nuno Melo dizer que a AD é uma “lufada de ar fresco” para que sinta a briza desejada. Dirão que comparar Luís Montenegro, Nuno Melo e Gonçalo da Câmara Pereira a Francisco Sá Carneiro, Diogo Freitas do Amaral (ainda o tentaram apagar da fotografia) e Gonçalo Ribeiro Teles seria injusto. A queda de qualidade das lideranças é geral. Mas, para além da coincidência dos dois últimos até já terem apoiado António Costa a dado momento das suas vidas, os outros partidos não foram buscar marcas ao baú. Usam as que sempre usaram. Tentar passar uma imagem de novidade e ressuscitar uma coligação com 40 anos é prestar-se à comparação, exibindo a ausência de presente e de futuro. Como manobra de marketing, é um desastre.

Se a artificialidade da nova AD não fosse evidente, a entrada do PPM deixaria isso claro. E tem um pequeno problema: Montenegro vai ter de fechar Gonçalo da Câmara Pereira, o homem que um disse que “as mulheres bonitas normalmente são burras”, numa masmorra real. Assumindo-se como “nacionalista”, o fadista aliou o PPM ao PVV (que, entretanto, se integrou no partido de Ventura), para oferecer uma barriga de aluguer ao Chega nas últimas eleições europeias (o “Basta!”). Não é fácil vender a ideia de uma coligação moderada contra o “radicalismo de Pedro Nuno Santos” e andar com estas companhias.

O PPM, que foi o partido com menos votos nas últimas legislativas (260), só entrou nesta coligação porque reclamou direitos sobre a marca. E isto chega para tornar evidente a artificialidade de uma AD que não é AD. É, quanto muito, uma PàF em versão desnatada, em que Passos passa a Montenegro e Portas passa a Melo. Só que Montenegro não queria a PàF. Se, como disse Nuno Melo, “a culpa não é de Passos Coelho e Portas; é de Costa e Pedro Nuno Santos", porque é que Costa é um ativo para o PS e a PàF um embaraço para o PSD?

O problema desta versão vintage da AD é tudo nela sublinhar a diferença abissal com a original: nada nela é novo, mobilizador ou natural. É o que acontece quando vestimos a roupa com que os nossos avós fizeram furor.»

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