«O INE informou na terça-feira que o aumento de preços observado entre março de 2021 e março de 2022 foi de 5,3% - o mais elevado desde junho de 1994. Os aumentos mais substanciais são nos produtos energéticos (19,8% - o mais elevado desde 1991), transportes (11%) e produtos alimentares e bebidas não alcoólicas (7,24%).
O aumento de preços, inédito nas últimas três décadas, não é sentido por todas as pessoas da mesma forma. Esta é a conclusão do relatório “Despesas essenciais e rendimentos das famílias: efeitos assimétricos da inflação”, que publiquei ontem com o Bruno P. Carvalho e a Mariana Esteves. O relatório faz parte do nosso projeto “Portugal, Balanço Social”, uma parceria com a Fundação La Caixa. Analisamos os dados do Inquérito às Despesas das Famílias de 2015/16, que é o último que está disponível, para caracterizar o peso de cada categoria de despesa na despesa total das famílias, consoante o seu nível de rendimento.
Em Portugal, o peso da despesa em alimentação na despesa total é de quase 25% para as famílias mais pobres; nas mais ricas, fica abaixo de 10%. A despesa em carne varia entre os 6% do orçamento dos mais pobres e menos de 2% para os mais ricos. Para o pão e cereais, o peso é também de praticamente 6% na despesa total dos mais pobres, mas cifra-se em apenas 1% para as famílias mais ricas. Também na eletricidade e gás se nota esta discrepância: estes bens energéticos representam 12% da despesa das famílias mais pobres, contra apenas 4% para as mais ricas.
Estes e outros números do relatório ilustram o que o aumento de preço dos bens essenciais significa para as famílias mais vulneráveis. A situação de partida dos mais pobres é delicada. Em 2015, as famílias dos indivíduos que estão entre os 20% mais pobres gastaram uma média de 2200 euros em alimentação. Este valor equivale a 2300 euros em 2021 - para 12 meses! Por outro lado, o que ganham não chega: gastaram 120 euros por cada 100 de rendimento. Não têm “almofada” para absorver a inflação, contrariamente às mais ricas, que conseguem poupar. Com elevada probabilidade, já passavam privações. É claro não estamos em 2015, mas a taxa de pobreza de 2020 (22%) é superior à de 2015 (19%).
A boa notícia é que a proposta do OE prevê uma transferência para aliviar o orçamento destas pessoas. Chegará a 830 mil famílias, que correspondem, pelas contas do nosso relatório, aos 20% de indivíduos mais pobres. A má notícia é que a transferência é curta: pouco menos de 25 euros por mês para comprar alimentação e gás, num total de 55 milhões de euros para a metade do ano coberta pelo OE. O alívio do ISP também ajudará, mas é pouco provável que chegue. Segundo as nossas contas, para uma taxa de inflação entre 4% e 6%, e dependendo do número de famílias que teriam uma compensação suficiente para manterem a integralidade do seu nível de consumo em alimentação, energia e combustíveis, seria necessário gastar entre 87 e 236 milhões no mesmo período para este grupo de famílias. Isto vai doer.»
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