«Longe vão os tempos em que o país mediático entrava em modo monotemático porque assessores se desentendiam com violência. Em que um desaguisado entre um ministro e o seu assessor para a TAP levava a exigências de demissão do primeiro-ministro e o Presidente da República a falar de crise.
A notícia de insultos do Ministro dos Negócios Estrangeiros a dois militares, a quem chamou "burros” e “camelos”, acrescentando que "isto, com os militares, é sempre a mesma merda" ainda poderia passar como um pequeno escândalo. Compreende-se a irritação do irascível Paulo Rangel por não poder receber, na pista, onde se filmava o acontecimento, os portugueses vindos do Líbano na pista. Falhava no desígnio deste governo, que é a propaganda.
Mais complicado é Paulo Rangel ter levantado a voz, em público e num momento oficial, ao general Cartaxo Alves, Chefe de Estado Maior da Força Aérea, e ter-se recusado a cumprimentar, enquanto as câmaras filmavam, o coronel Abel Oliveira, comandante de Figo Maduro.
A notícia é de 4 de outubro e andou a ganhar pó no submundo da imprensa, como se houvesse uma espécie de pudor em incomodar o governo com questões menos estruturais. Imaginem a novela que seria se, no anterior governo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, que nem sequer tutela as Forças Armadas, dissesse que "com os militares é sempre a mesma merda" e levantasse a voz ao CEM da Força Aérea, em público.
Isto não é apenas um episódio desagradável entre pessoas com responsabilidades públicas. Ao humilhar e desrespeitar um oficial superior aos olhos dos seus subordinados, a birra do ministro pôs em causa, através do exemplo, a hierarquia e a disciplina militar.
15 dias depois, a CNN lá pegou na coisa. No Congresso do PSD, confrontou o ministro e ele, despreocupado e sorridente, disse que nem ia comentar o assunto, porque o sentido de Estado que lhe faltou naquele episódio o impedia de o fazer. Que não contassem com ele para alimentar esta novela, disse o homem que, na oposição, nunca perdeu um episódio de novela nenhuma, ultrapassando quase sempre os seus companheiros de partido no arrojo e demagogia.
Confrontado com o tema, o ministro da Defesa perdeu o ímpeto que lhe deu quando, rodeado de militares, prometeu devolver Olivença a Portugal, e disse que não ia comentar o tema quando estava a celebrar Camões. Não incomodem um intelectual com assuntos de porteira.
Do Presidente da República, que não perdeu a oportunidade de espetar todas as farpas no caso entre Galamba e o assessor, nem uma palavra. Apesar de ser, para quem não se lembra, chefe supremo das Forças Armadas e isto ter, ao contrário de grande parte do que costuma comentar, tudo a ver com ele.
Ontem, o primeiro-ministro considerou tudo isto uma “tonteria”, não esclareceu nada (como nunca faz) e diz que se têm de esforçar para abalar Rangel. O ministro não tem explicações a dar porque… não tem.
Com 29%, a arrogância deste governo está, ao fim de seis meses, nos píncaros das maiorias absolutas de Cavaco. Com o beneplácito de boa parte da comunicação social, que interiorizou um estado de graça que não devia contar para o jornalismo e está a deixar que se transforme numa inimputabilidade política. Repito: esta notícia era conhecida das redações há quase 15 dias.
As conferências de imprensa com direito a pouquíssimas ou nenhumas perguntas, o desrespeito assumido e galhofeiro do primeiro-ministro pelos jornalistas... nada chega para acordar a comunicação social de um torpor que, só em esforço, reage. É provável que quase uma década de PS no governo tenha levado a alguma fadiga. Mas seria bom, recuperados de meio ano de pausa, voltar ao escrutínio de quem governa. A sua falta tende a levar descontrolo. E isto está a acontecer demasiado depressa.»
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