23.10.24

25 de abril é a data fundadora onde todas as outras cabem

 


«Sem o consenso dos deputados ou sequer dos obreiros da data, a Assembleia da República aprovou a realização de uma sessão solene do 25 de Novembro no Parlamento, nos mesmos moldes da cerimónia do 25 de Abril. Só com os votos da direita, que nem sequer liderou politicamente o golpe.

Já aqui escrevi, mais do que uma vez, sobre esta trôpega tentativa de querer equiparar o 25 de abril ao 25 de novembro. Uma tentativa que vale de pouco. Não há votação parlamentar que substitua a memória coletiva, apesar do Estado poder moldá-la. Não é por acaso que não há festa popular no 25 de novembro e ela tem uma inédita persistência e dimensão de protesto e ausência de tutela oficial, no 25 de abril.

Não me filio na guerra cultural em torno da memória do 25 de novembro. Terei, nesta matéria, uma posição isoladamente desapaixonada.

Acho que os excessos posteriores ao 25 de abril, sobretudo durante o PREC, eram inevitáveis depois de meio século de ditadura. E até necessários, garantindo que algumas das conquistas políticas e sociais, conseguidas na rua e não oferecidas pelo Estado, fossem mais firmes do que noutros países. O respeito que o poder político tem pelo direito à manifestação é um exemplo quase sem paralelo na Europa. O caracter revolucionário da instituição da nossa democracia garantiu-nos, na minha opinião, um regime democrático mais sólido do que em Espanha, por exemplo. Uma das poucas áreas intocadas por abril foi a Justiça e ainda hoje pagamos essa fatura.

O 25 de Novembro foi necessário perante um processo revolucionário que não só se estava a afunilar numa vanguarda minoritária e cada vez mais isolada do país, como até estava a perder o controlo da força revolucionária mais significativa, o PCP. O papel passivo dos comunistas perante o golpe de Novembro está estudado, mas ainda é pouco claro. Seja como for, o 25 de novembro, não sendo uma data popular e não estando no centro das autobiografias dos seus próprios autores (que gostam de ser lembrados, antes de tudo, como homens de abril), faz parte do processo de democratização. Esta minha posição não é nova. Escrevia-a há mais de 20 anos.

Ainda assim, equiparar o 25 de novembro ao 25 de abril é absurdo. O 25 de abril é uma data fundadora. Não temos duas para agradar a quem teve o azar de ficar mal na fotografia da primeira. Nessa data fundadora, incluem-se, como é habitual nestes processos, outras tantas, onde se encontram todas as contradições de processos conturbados: o 25 de novembro, mas também o 11 de março ou o 28 de setembro. Todas elas fazem parte do processo democratizador que o 25 de abril, data que une quase todo o país, faz a síntese. 25 de abril que é o de 1974, mas também o de 1975 (eleições para a Assembleia Constituinte) e o de 1976 (primeiras eleições legislativas). Nela estão contidos todos os passos da construção da nossa democracia constitucional, a que poderíamos acrescentar a extinção do Conselho da Revolução, em 1982.

A questão é mais simples do que parece: parte dos derrotados do 25 de novembro quer reconquistar a data que perdeu. É que não foi só a extrema-esquerda e o PCP que foram derrotados. Foram os que desejavam iniciar uma revanche e um recuo democrático, ilegalizando partidos e perseguindo parte da esquerda. No dia 26 de novembro, os líderes políticos do golpe (próximos do PS, não de quem quer celebrar a data) travaram este ímpeto antidemocrático, pela voz de um herói quase esquecido, apesar de ser uma preparação dos capitães de abril: Ernesto Melo Antunes.

Esta equiparação absurda pretende dar a parte da direita (não incluo os fundadores do PSD, que, apesar de o fazerem por dentro, participaram na oposição da Ala Liberal ao regime) um papel que ela não teve. E essa direita vai até aos inimigos do 25 de abril, como o Chega.

Como todas estas guerras culturais, também esta tem objetivos no presente. O principal é, equiparando meio século de ditadura a uns meses de PREC, equiparar os representes desses momentos históricos. Só assim conseguem começar a normalizar o Chega, fundamental para o conjunto da direita se o nosso sistema partidário não mudar. Entretanto, empurram-nos para intermináveis guerras culturais que nos afastam dos debates económicos e sociais que deveriam ajudar a definir quem é alternativa a quem. Os debates onde a extrema-direita se sente sempre menos confortável. Isto, como as aulas de cidadania (lá irei na sexta-feira) é muito mais útil para eles.»


0 comments: