«Estamos no início de um novo ano político, tempo que a Comunicação Social gosta de designar por rentrée. O Governo prepara o Orçamento do Estado (OE) e as políticas que o acompanharão, dando sinais de fechamento e de medo em se abrir à sociedade. A Direita surge com um programa de mínimos assente em três componentes: i) agitar algumas bandeiras sem ir ao fundo dos problemas porque não tem resposta para eles, como estão a fazer com os impostos; ii) influenciar o Governo no sentido de este ser “bem-comportado” perante os poderes dominantes no plano nacional, europeu e internacional; iii) ir tratando da questão presidenciais 2026 na perspetiva de esse órgão de soberania continuar ocupado por alguém do seu espaço político. Os partidos à Esquerda parecem surgir com uma ação política mais clarificadora das relações entre as agendas social e política.
A Direita começou a acreditar que Marcelo Rebelo de Sousa conseguirá - deitando mão do seu populismo e do atrevimento que por vezes roça o golpe constitucional - subverter o papel do presidente da República e fazer da Presidência uma espécie de governação alternativa ou corretora. A discussão do Orçamento do Estado e a retoma dos trabalhos da Assembleia da República vão tornar mais evidentes estes jogos em curso e o seu distanciamento das respostas aos reais problemas das pessoas.
Uma análise à realidade económica e social conduz-nos a afirmar que o OE para 2024 deve ser acompanhado por compromissos efetivos para se qualificar o perfil de especialização da economia e o de desenvolvimento do país: ou temos um novo impulso de industrialização, em setores e em condições inerentes ao tempo em que estamos, ou definhamos. Por outro lado, precisamos de um OE que interprete os compromissos de uma sociedade democrática organizada no que é estruturante da vida das pessoas: a garantia dos direitos à saúde, à educação e formação, à habitação, à justiça, à proteção social, a uma justa distribuição da riqueza, ao trabalho e salário dignos, a rendimentos mínimos que permitam fugir à pobreza. Para isso servem, também, as políticas públicas.
A Escola inicia o novo ano letivo com os alunos carregados de expectativas e sonhos, mas o Governo teima em tratar mal os professores. Os tribunais reabrem em clima de tensão com parte dos seus trabalhadores e os cidadãos sentem o sistema de justiça entupido. Na saúde a situação é idêntica. Retoma-se a atividade laboral em pleno, com os trabalhadores sem vislumbrarem negociações salariais que lhes reequilibrem os rendimentos. Grande parte dos empresários continuam focados na promoção do individualismo e em trapaças sobre o mérito e o talento. Não aproveitam as qualificações e competências dos trabalhadores e não inovam de facto, como prova o fraco investimento que é feito por posto de trabalho.
A melhoria dos salários anda de mãos dadas com a evolução da qualidade do emprego. Numa entrevista ao “Expresso”, no passado dia 30, Paulo Pedroso, profundo conhecedor de políticas de emprego e de proteção social, afirmou, partindo de algumas observações, designadamente sobre a distribuição funcional do rendimento, que “há margem para um aumento real dos salários em 20%”.
O país ganharia muito se este objetivo fosse colocado no plano da utopia do realizável, agora. A turbulência do debate económico, social e político transformar-se-ia num impulso criativo e modernizador. O Governo pode e deve dar o tiro de partida começando a valorizar os salários dos trabalhadores da Administração Central e Local.»
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