«A história do município de Lagos diz: “Os descobrimentos começaram aqui…”. Foi esta a localidade escolhida por Marcelo Rebelo de Sousa para celebrar o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Na opção terá pesado o simbolismo histórico do mar, enquanto via de união entre povos. Porém, a imagem do rei D. Sebastião e o “sebastianismo”, que povoa o território, poderá também servir de metáfora da vida política actual. Nas últimas legislativas, o Chega venceu em Lagos e o mito do “sebastianismo” ensombra os candidatos à sucessão de Marcelo em Belém.
A Avenida dos Descobrimentos e toda a zona ribeirinha da cidade estão convertidas em palco das festividades do 10 de Junho. As comemorações decorrem desde há dez dias, com demonstração de exercícios militares, mas também concertos e outras iniciativas culturais. As atenções da população estão viradas para os carros de assalto, helicópteros, um F16, lanchas e drones — o vasto dispositivo que integra a Expo Forças Armadas, instalada junto às muralhas, na Praça Infante D. Henrique.
Porém, o brilho das fardas deixou na penumbra aspectos menos visíveis ligados à identidade cultural da terra. À frente do memorial sobre a batalha de Alcácer Quibir, da autoria de João Cutileiro, foi instalada uma tenda de recrutamento, tapando a escultura. O museólogo Rui Parreira tem uma explicação: “O soldado português ganha batalhas, não perde.” Por isso, contextualiza, uma obra que não evoca glórias do passado foi eclipsada. “Não deixa de ser interessante, do ponto de vista simbólico”, sublinha, “porque a peça, feita de peças de mármore de várias cores, representa os três momentos da batalha — a partida, campo de combate e a derrota”.
A relação cultural e afectiva da cidade com o mar vem de longe e mantém-se. No passado, foram os marinheiros das caravelas a dar “novos mundos ao mundo” — no presente, turistas de todo o mundo encontram aqui o seu porto de abrigo para passar férias. No entanto, os ventos não sopram de feição quando se recorda o que se passa na Ucrânia, Gaza e noutros pontos do globo, onde a inclusão deu lugar aos ódios e a políticas de exclusão. Ali bem perto do palco onde Marcelo Rebelo de Sousa irá discursar, encontra-se o museu de Lagos, Rota dos Escravos.
O espaço, diz Rui Parreira, mostra um capítulo da história portuguesa que divide opiniões. “Levamos dos dois lados — os nacionalistas acham que é um período que não se deve destacar. Por outro lado, os activistas acham um horror falar de lusofonia — uma língua imposta pelos colonos.” A história, sintetiza, não é uma via de sentido único. As comemorações do 10 de Junho de 2025 são presididas por Lídia Jorge, a escritora (conselheira de Estado) que, nas suas obras, lembra que o humanismo não tem pátria nem fronteiras.
O rei D. Sebastião, em 1573, elevou Lagos à categoria de cidade, e, durante séculos, o porto da cidade foi um importante entreposto comercial. Aqui chegaram as primeiras riquezas de África — ouro, prata, marfim. A riqueza do “ouro”, hoje, foi cambiada pelas areias onde se constroem hotéis e apartamentos. O bairro dos "Índios da Meia Praia" é o que resta da afirmação de uma comunidade piscatória que resiste, embora os seus habitantes já sejam de segunda e terceira geração.
António Cunha Telles, em 1976, imortalizou em filme vivências e sentimentos de afirmação do poder local. As barracas de colmo foram substituídas por construções de alvenaria, no âmbito do projecto SAAL – Serviço de Apoio Ambulatório Local. Mais tarde, o Plano de Urbanização da Meia Praia, aprovado em 2007, veio a permitir a construção do golfe dos Palmares e de hotéis em cima de dunas. O bairro ficou de fora — não teve direito a requalificação — porque os terrenos pertencem ao domínio público marítimo.
Apesar do crescimento urbanístico, à semelhança do que se verifica noutras zonas do litoral, existe falta de habitação a preços acessíveis para quem vive e trabalha no concelho. Durante a última campanha eleitoral o tema fez parte das agendas políticas, e já começa a agitar a campanha para as autárquicas que se aproximam. O partido de André Ventura tem vindo a explorar esse filão, na vertente populista, e a maioria socialista no executivo autárquico pode estar tremida.
Marcelo Rebelo de Sousa, amanhã, na sua última celebração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas — como já fez noutras ocasiões — não deixará de fazer avisos à “navegação” para os candidatos ao Palácio de Belém. Por coincidência, na praça Gil Eanes, a poucas centenas de metros de distância do lugar da tenda onde vão decorrer as cerimónias oficiais, encontra-se a estátua de D. Sebastião. Não evoca glórias, mas sim as intrigas palacianas nas tomadas de grandes decisões. Na opinião de Rui Parreira, a representação artística lembra “um boneco articulado que simboliza o derrotismo [Alcácer-Quibir] e a manipulação do poder político por parte da aristocracia”, que empurrou o rei para uma aventura.»
2 comments:
Têm por lá um parque de estacionamento ou campo de golfe em cima de um cemitério de escravos.
Lagos foi a minha praia da independência civil e amorosa. NO exilio em Paris ,encontrei o P.Andrade que tinha os pais como bibliotecários da Torre do Tombo . E eu e o Pedro com passagem por Siena demandamos Paris para seguir Marc Ferro e Chatelet entrando nas catacumbas do Quartier Latin.
Nos seminários de Lacan e Deleuze ajudamos o S. Gago a gravar os ditosos seminários que faziam furor
nas tertulias do historiador, o unico a poder ir a Portugal... O SG chegou a Paris com um um agenda de contactos fabulosa e multipla. O Quico Castro Neves mostrou-lhe tudo o que era radical e subtil. A fraccäo maiosta do Fleming, António Rodrigues e etc , com Tino Flores nas festas proletárias:
treinava,O 25 de Abril remeteu-nos para o regresso entusiastico a Portugal. Ocupamos uma casa de férias dos Andrades e celebramos Lagos anualmente depois dessa altura.Lagos era o nosso ponto anual de reencontro. a maravilhosa cidade do Infante. Cresceu e sofreu com a desabrida especulacäo urbanistica e o mar foi alvo de grandes predacöes e destruicöes.Hoje prefiro Sagres e a costa até Odeceixe e visito o Andrade e a Dionora em Lagos.Niet
Enviar um comentário