«Na mensagem de Natal do ano passado, António Costa falou da solidariedade necessária para enfrentar as consequências da guerra, do aumento da inflação e dos juros – e das acrescidas dificuldades que tal cenário trazia às famílias, às empresas, às autarquias, ao Estado central. Sublinhou que havia razões para o país “ter confiança no futuro”, mas não deixou de falar dos problemas.
Neste Natal, o país de Costa pareceu quase tão brilhante como a árvore de Natal que lhe serviu de cenário. Em menos de cinco minutos, mencionou 13 vezes as palavras “confiança” e “confiar”. A quadra é dada a optimismos, mas, mesmo dando o desconto de já estarmos em campanha, e de poder ser difícil a um primeiro-ministro prestes a deixar de o ser falar do futuro sem ser de forma abstracta, é bom não perder a noção da realidade.
“Juntos vencemos as angústias da pandemia”, disse. "Juntos garantimos” que a tragédia dos incêndios não se repetiu, criou-se emprego, houve “redução da pobreza e das desigualdades”, equilibraram-se as contas públicas, acelerou-se a transição energética… e continuou.
Sem prejuízo de nuns indicadores ser mais evidente que o país tenha realmente melhorado substancialmente face a 2015 do que noutros, há uma frase na qual muitos cidadãos terão uma grande dificuldade em rever-se: “Recuperámos a tranquilidade no dia-a-dia das famílias.” Num ano de inflação e juros a níveis históricos, que degradam o poder de compra e a capacidade de pagar uma habitação digna, “tranquilidade” é coisa que falta em muitas casas.
Também é bom lembrar que a taxa de pobreza em 2022 baixou, sim, face aos valores de 2015, de 19% para 17%, mas é maior do que em 2019 ou em 2021 (16,6% e 16,4%). E o principal índice que mede as desigualdades da distribuição de rendimentos, o índice de Gini, voltou a subir em 2022 para níveis próximos de há oito anos (33,7 contra 33,9).
O país conseguiu iniciar o caminho para um novo modelo de desenvolvimento, desde logo com a redução, exemplar a nível europeu, do abandono escolar precoce e uma grande melhoria dos níveis de qualificações. E Costa pode e deve dizer que estas são armas essenciais para o futuro.
Mas num ano tão conturbado, e com umas eleições à porta que arriscam não trazer estabilidade, mencionar de passagem que "há problemas que ainda temos de ultrapassar” e “não desistimos de continuar a melhorar”, ignorando que em várias áreas a descolagem tem sido demasiado lenta e demasiado penosa para uma fatia importante da população, é um erro que alimenta o divórcio dos cidadãos de quem os representa.
A “tranquilidade” de Costa não é a de muitos portugueses.»
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