26.4.11

Velhas acções para novos tempos


Ontem, na Manifestação do 25 de Abril, uma amiga deu-me este folheto (o texto, que transcrevo a seguir, encontra-se no verso). Engana-se quem o leia distraidamente e o interprete apenas como relato de uma acção ocasional de vizinhos, indignados em frente de uma porta fechada. É bem mais: tem um profundo significado político, é um sinal de que a «sociedade civil», pela qual tantos clamam (mesmo que, no fundo, a temam…), começa a estar bem viva e se recomenda. Se / quando souber notícias desta iniciativa, dá-las-ei. Pode ser que me engane, mas vamos assistir a muitas acções semelhantes a esta nos próximos tempos.

«Hoje, 25 de Abril de 2011, nós, padeiras e padeiros livres, convidamos todos à padaria da calçada da bica - Travessa do Cabral nº 37, libertando-a do abandono a que foi votada pelas dinâmicas económicas da cidade.

Perguntamo-nos onde estão os proprietários desta padaria que não resistiram à economia de supermercado que dominou as nossas cidades e que tornou a actividade desta e de muitas outras padarias insustentável. Fazemo-lo por todas as actividades do nosso quotidiano, cada vez mais sufocadas por politicas de regulamentação que na verdade não são mais do que instrumentos para o domínio da nossa sociedade pelos grandes grupos económicos.

Quando crescemos, ainda conhecíamos pelo nome o padeiro, o talhante, o merceeiro. Esta vizinhança abria espaço para uma solidariedade que se esfumou no anonimato das cidades actuais. Ainda assim, não é um fascínio romântico pela vizinhança que nos move, mas a necessidade de nos organizarmos frente às dificuldades da situação em que nos encontramos.

Em horas difíceis como as que atravessamos, achamos que à ideia de propriedade se devem sobrepor conceitos de comunidade e de solidariedade, sobretudo numa cidade tão marcada pelo abandono. A cidade a quem a vive e usa, a quem dela precisa. Acreditamos que juntos somos mais e que todos devemos ter uma palavra a dizer e um par de mãos para construir o futuro das nossas vidas.

Por isto, convocamos todos os vizinhos, próximos ou distantes, a pensar o que fazer desta padaria, e a partir dele, do bairro, da cidade, do mundo. A assembleia acontecerá à mesma hora da manifestação convocada para a Avenida da Liberdade, não como forma de oposição a esta manifestação, mas com a revolução dos cravos no coração, tentando celebrá-la da forma mais viva que encontrámos.

Iremos distribuir pão gratuitamente desde as 8h da manhã, até que se nos acabe a farinha. Durante a tarde, iremos servir sandes, esperando para o lanche todos os que, depois da manifestação, se nos queiram juntar. Queremos construir um forno nesta padaria, para activá-la em todo o seu potencial. A forma como o faremos será um dos pontos que iremos apresentar à discussão na assembleia de vizinhos.

Unidos Venceremos!

Um velho slogan, herança do 25 de Abril que hoje se comemora. Queremos celebrar o entusiasmo que juntou tanta gente, na ilusão da construção colectiva de um novo mundo. Guiados pelo sonho, a todos o que nos vierem pedir pão, oferecemos esta padaria. Que haja pão para tanta mão.

PS: Por comodidade utilizamos o masculino genérico neste manifesto. Não que seja nossa intenção excluir as mulheres, que para nó.»

P.S. - 27/4: Notícias aqui.
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7 comments:

Anónimo disse...

Tem um forte cheiro a maçonaria, o que garante a excelência em que Portugal se encontra. Não se preocupe que os irmãos arranjam-se e já agora chamem as coisas pelos nomes, conseguem, ó transparentes?

Joana Lopes disse...

Qual maçonaria, qual carapuça! Não veja mosquitos na outra banda... :-)

José Meireles Graça disse...

Bonita iniciativa, embora me deixasse um dúvida excruciante: As sandes são de quê? E já que estamos no céptico caminho das dúvidas, a padaria pertence a quem? E quem paga a farinha e o resto? Peço desculpa por a minha fé na bondade da natureza humana voar baixo, mas gosto de tudo explicadinho. Sem isso, ainda corria o risco de aportar por lá com o meu nariz reaccionário e ser corrido a couratos.

Joana Lopes disse...

Caro JMG: para já, só sei o que vem no folheto, como dizia o outro... Mas, se não acredita de todo na «bondade humana», as coisas devem estar mal para si...

Rogério G.V. Pereira disse...

O pão que o diabo amassou?

A ideia criativa despejada em grande audiência terá o resultado proporcionado?

Anónimo disse...

Joana, ainda não vi notícias para além daquelas que aparecem no pt.indymedia.org

A padaria é de quem a agarrar, não fosse um espaço auto-gerido e que pretende envolver e devolver a padaria à vizinhança (acho que isto diz no manifesto). Hoje houve assembleia às 16h, o que de lá saíu ainda não sei.

Quem iniciou o processo? Para simplificar: esquerdistas, anarquistas, ecologistas e outros istas e sem istas.

É ir ver para crer, entender e contribuir.

Joana Lopes disse...

Obrigada, caro Anónimo, julgo que há uma Assembleia hoje, às 21h.