6.9.16

Marcelo e Elena Ferrante



«É uma revolução cultural na política e na sociedade que Marcelo pretende. Contra governos incultos.

Muitas vezes os políticos portugueses fazem piruetas em volta da cultura. Não tendo a graciosidade dos dançarinos dos "Ballet Russes", estatelam-se no soalho. Especialmente por omissão face àquilo que se costuma reconhecer como determinante para a saúde de uma sociedade democrática e que é, ao mesmo tempo, um valor económico. Talvez por isso Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu, elegantemente, a António Costa e a Passos Coelho a leitura dos livros de Elena Ferrante. Porque, referiu, este tipo de leitura melhora o "enriquecimento cultural" da classe política, coisa que todos sabemos é deficitária.

A sugestão de Marcelo não é inocente. Sabe que o gosto pela cultura não floresce por milagre na sociedade portuguesa. Nem a classe política a engole porque saiu num pacote da Farinha Amparo. O resto da mensagem veio depois: "eu não entendo que se possa ser governante sem se apostar na cultura".

Claro que Marcelo sabe: a cultura é uma espécie de gambozino dos Governos; acende em noites quentes. Marcelo acerta em dois alvos: pede aos políticos para olharem mais para a cultura e para serem mais cultos e incentiva os portugueses a lerem a autora, cujas obras são mais do que as histórias de duas amigas. Ferrante fala de duas mulheres que durante décadas têm de lidar com a incerteza económica, com os favores políticos, o machismo, o crime organizado, o poder dos sindicatos e da Igreja frente a um Estado ausente, à injustiça e à pobreza.

Ferrante é hábil a transformar pequenos eventos pessoais em temas de reflexão pública. E é isso que Marcelo quer: os livros da autora italiana falam de uma sociedade que evolui de forma muito parecida com a portuguesa. Lendo-a, os portugueses podem questionar a sua própria vida e a da sociedade que os rodeia. É uma revolução cultural na política e na sociedade que Marcelo pretende. Mas isso choca com políticas seguidas exemplarmente por governos de direita e esquerda: os bilhetes de museus pagam 23% de IVA. Os livros são um produto de luxo. Cultura?»

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