7.9.20

A abjeção de eterno retorno


Ainda a propósito da polémica sobre a disciplina de educação pata a cidadania, aconselho a leitura DESTE TEXTO de Fernanda Câncio.

Um excerto:

«Mete sexo? É com os pais. Não surpreende ver sob estas palavras as assinaturas de prelados e reconhecidos fundamentalistas católicos, como não surpreenderia ver a de fundamentalistas muçulmanos - os pais das meninas suíças impedidas de nadar assinariam de cruz. Mas encontrar ali um ex-presidente da República (Cavaco), um ex PGR e juiz do Supremo (Souto de Moura) e um ex primeiro-ministro (Passos), todos da democracia e portanto da obediência à Constituição em vigor e à legislação europeia, não pode deixar de chocar.

É que, como se lê na muito resoluta resolução do Conselho de Ministros chefiado por Passos que em 2013 aprovou o V Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não-discriminação 2014-2017, "é tarefa fundamental do Estado promover a igualdade entre mulheres e homens, sendo princípio fundamental da Constituição da República Portuguesa e estruturante do Estado de direito democrático a não-discriminação em função do sexo ou da orientação sexual."

Princípio fundamental e estruturante mas opcional, será? Parece que não: "A prossecução de políticas ativas de igualdade entre mulheres e homens é um dever inequívoco de qualquer governo e uma obrigação de todos aqueles e aquelas que asseguram o serviço público em geral." (…)

Poderá Passos, como poderão Cavaco o ex-ministro da Educação David Justino, também signatário do manifesto - e que em 2004, enquanto titular da pasta, defendeu que a educação sexual deveria fazer parte, incluída "num conjunto de questões ligadas à educação para a saúde e cidadania", de uma disciplina obrigatória ao longo de sete anos -, alegar que mudou de ideias. Que afinal as discriminações não devem ser combatidas pelo Estado, que a legislação europeia deve ser ignorada, que a defesa da igualdade na escola é só se os pais quiserem e que se a sociedade portuguesa é permissiva face à exclusão de pessoas, incluindo crianças, por causa da sua identidade de género e orientação sexual, ou se os estereótipos de género continuam a penalizar muito as meninas e mulheres - como a resolução citada reconhece - olha, azar.

Pode Passos, como podem Cavaco e Justino, até defender a "imediata revogação das leis de igualdade de género", à imagem do partido que está a marcar-lhes a agenda. Podem, em inconsciência ou consciência, objetar à Constituição. Podem isso tudo - e nós sentir abjeção.»
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