«Há um Halloween diferente que percorre o mundo. Quem assusta os seres disfarçados com uma cabeça de abóbora na cabeça é a Internacional de extrema-direita, cuja banda sonora é executada por Steve Bannon e que tem seguidores militantes nas Américas e na Europa.
A queda da chanceler Angela Merkel, depois dos fracassos eleitorais na Baviera e no Hesse, é apenas mais uma peça do dominó construído nas últimas décadas que cai. A queda de Merkel é mais do que um soco no estômago da Europa altiva, construída com base num contrato social pós-guerra, e feito com base num modelo de alternância ou mesmo fusão da social-democracia com os democratas-cristãos. Até no norte da Europa cresce a onda neonazi. No grupo de Visogrado a tentação anti-UE é visível. O Brexit ou o governo italiano eram sintomas visíveis. Por isso bem pode Emmanuel Macron tentar ser o pólo de agregação da Europa sujeita a tantas pressões. Há um avanço crescente da extrema-direita em parte substancial da Europa, prometendo patriotas a sério e um amanhecer revigorante. O discurso está ganho: é o povo contra os "maus". E estes são os políticos, os globalistas, as minorias e os "outros". Átila e os Hunos estão já dentro das portas da Europa.
Nada de sério se discute. Deixou de haver debate político e as novas vozes "apolíticas" e "renovadoras", aproveitam o sentimento generalizado de que há uma "autoridade fraca" e uma austeridade inconcebível para impor discursos infantis e básicos. As redes sociais ajudam a este clima básico, onde frases de ódio abafam qualquer tentativa séria de discussão. O centro político desloca-se para a direita e o velho pêndulo da moderação (o bloco central favorecido pela classe média) dissolve-se. Porque a classe média na Europa foi massacrada pela austeridade cega e esta era o colchão da democracia. Sem classe média com aspirações sociais a democracia vai eclipsar-se, mesmo na Europa. Por isso o eleitor médio desloca-se para quem lhe dá conforto, a extrema-direita, com o seu discurso básico. Face a isso só surge, nas recentes eleições, uma alternativa curiosa: a dos partidos que se preocupam com as questões ambientais e com a qualidade de vida dos cidadãos. Uma nova polarização entrou em cena. Não deixa de ser sintomático que num mundo de tanta informação digital a que é fácil aceder, as luzes da cultura se comecem a apagar.
Não admira que se tenha assistido ao canto do cisne de Angela Merkel. O referente da Europa dos últimos anos vai sair de cena, numa era de polarização política extrema. Mas não só: o revés eleitoral no Hesse, onde está o coração financeiro da Europa continental, Frankfurt, é claro. O descontentamento é generalizado. Os desafios que se colocam à Europa unida precisam de novos líderes e de novas ideias. De outra forma o projecto falirá. As próximas eleições europeias, onde poderá haver um substancial reforço da extrema-direita, que ali estará para fazer naufragar a UE, trarão algumas respostas para tantas questões. Mas, está claro, mostrarão que os partidos tradicionais estão a perder apoios populares face a novas formas de entender e fazer política, que são mais nacionalistas e imprevisíveis. A confiança dos cidadãos nas democracias liberais já viveu melhores dias. Resta saber se a democracia tem forças suficientes para suster esta nova vaga inquietante.»
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