5.1.23

As lições de uma crise

 


«Escrevo este artigo na noite de terça-feira, dia 3 de janeiro. Nos próximos dias vai ser discutida e votada na AR uma moção de censura e haverá um debate de urgência, pedidos, respetivamente, pelo IL e pelo PSD. Ambas as iniciativas são legítimas e normais em democracia, no quadro do exercício do direito de oposição, mesmo que não tenham consequências práticas. Não posso é concordar que haja razões para dissolver a AR ou demitir o Governo.

Temos um Governo eleito há menos de um ano com uma maioria absoluta robusta, que tomou posse há nove meses e cujo primeiro-ministro é o mesmo que venceu essas eleições enquanto líder do partido mais votado. A situação não é comparável com a que levou o Presidente Jorge Sampaio a dissolver a AR em 2004, mais de dois anos e meio volvidos sobre as eleições legislativas e quando tinha havido uma mudança de chefe do Governo.

É verdade que nestes meses de governação ocorreram várias situações criticáveis, de gravidade e natureza muito diversas, das quais resultaram uma dezena de demissões, culminando com a saída de Pedro Nuno Santos, cuja relevância política é inquestionável dentro e fora do PS. O Governo não será o mesmo sem ele, apesar de, como se conclui da escolha dos novos ministros, estes apenas irem executar o plano que ficou traçado.

Mas a maioria formada na AR mantém a sua legitimidade intacta e, por isso, nem a dissolução do Parlamento nem a demissão do Governo (que só pode ocorrer, nos termos da Constituição, quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas) são cenários credíveis no atual momento.

Acresce um outro aspeto fundamental: a interrupção da legislatura só faz sentido quando se afigura como provável um resultado diferente nas eleições subsequentes. Ora, de acordo com os dados que temos, essa condição não se verifica. E isto acontece em larga medida porque o principal partido da oposição critica o Governo mas nunca diz de forma clara e concreta o que faria de diferente. O PSD não tem propostas nem pensamento político para ser alternativa.

Dito isto, esta crise recente deveria fazer soar os alertas no Governo e no PS, porque, como é sabido, muitas vezes as eleições não são ganhas pelos partidos da oposição, mas sim perdidas pelos Governos.

A solução governativa proporcionada pelo PS não está esgotada, mas devem retirar-se lições do que correu mal até agora. Falta um desígnio ou desígnios claros. É preciso mais cuidado e mais humildade na gestão política e a definição de um modelo de crescimento económico mais eficiente e mais justo, com melhor distribuição da riqueza (que não se consegue apenas com apoios pontuais, por mais importantes que estes sejam). E sobretudo é preciso espírito reformista. Não para fazer as reformas que a direita preconiza e que se reconduzem quase sempre ao jargão “menos Estado”, mas sim as reformas que se esperam de um Governo socialista: tornar os serviços públicos e, em especial, o Serviço Nacional de Saúde mais eficientes, erradicar a pobreza, diminuir as diferenças de rendimentos e a desigualdade social, alterar a legislação laboral no sentido de proteger mais os trabalhadores e fortalecer a contratação coletiva, diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social e criar um mercado público de habitação. É para isto que serve a maioria absoluta do PS.»

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