Há sete anos, morreu-me um amigo. Malangatano foi certamente um artista extraordinário, mas é sobretudo alguém que recordo com uma enorme ternura.
Tenho aqui à minha frente, desde há muitos anos, este autoretrato que ele pintou numa folha do Record e me ofereceu – é exemplar único. Data de 1972, ano que passou em grande parte em Lisboa, mais ou menos acampado no atelier de alguém que também já não anda por cá e que de quem fui muito próxima: o arquitecto Manuel Vicente.
Convivemos num vasto grupo de amigos e não resisto a recordar uma pequena história. Talvez ninguém tenha andado aos saltos com Malagantana numa cama elástica e eu andei. Era um daqueles fins-de-semana prolongados, com um feriado que os espanhóis não festejam connosco (5 de Outubro, se não me engano) e foi-se até Madrid. Já não sei bem como nem porquê, um dos serões acabou algures numa espécie de cabaré onde estava em cena um espectáculo mais ou menos ginasticado. A páginas tantas, pediram insistentemente que dois espectadores fossem ao palco e saltassem, alternadamente, em cada uma das pontas de uma cama elástica. O Malanga e eu decidimos entrar na brincadeira e, como ele nunca foi leve e eu ainda não tinha engordado, cada um dos seus impulsos fazia-me subir quase ao tecto, para grande gáudio de toda a assistência – voei, no sentido estrito da palavra, como nunca me aconteceu na vida, nem antes nem depois.
Ao longo dos anos, sempre que nos reencontrávamos, ele repetia, com aquele sorriso inesquecível e do tamanho do mundo: «Patrícia, temos de voltar a saltar numa cama elástica!». Mas não voltámos. Nem voltaremos. Porque ele já deu o salto definitivo.
Quando morreu, o Manuel Vicente escreveu-me isto no Facebook: «Speechless! Um pouco de nós morre sempre com cada grande amigo. Vê lá se te vais aguentando.» Mas foi ele, Manel, que também não se aguentou.
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