6.1.23

Mais depressa aparece a virgem do que a viragem

 


«Aqui fica a mensagem de Ano Novo de Belém, mas traduzida para português de Alcântara:

“Muito boa noite. Portugueses, (…) há um ano, em Portugal, acreditava-se que o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), mais o Portugal 2030, mais o Portugal 2020, ou seja, os fundos europeus, somados ao turismo e ao investimento estrangeiro, já em alta, iriam fazer de 2022 o ano da viragem.”

Tradução: Mais uma vez, fizemos figura de parvos. Ouvimos falar em fundos europeus, que chegariam por intermédio daqueles programas chamados ‘Portugal e depois um número à frente’, e pensámos: “Agora é que é. Finalmente, isto vai avançar.” Só que, entretanto, passou um ano e não se percebe bem se os fundos não foram aplicados, se ainda vão ser ou se já foram e ninguém deu por isso. Seja como for, um ano depois já temos a certeza de que 2022 também não foi o ano da viragem pelo qual esperamos há décadas. Que a Virgem tenha aparecido em Portugal acaba por não ser extraordinário. O verdadeiro milagre seria aparecer a viragem.

“Por outras palavras, 2022 parecia ir ser um ano de desconfinamento, de viragem, de esperança, no mundo, na Europa e em Portugal.”

Tradução: Parecia mesmo que desta vez é que era. Enganou-me bem, a conjuntura. A nossa vida parece um jogo de futebol relatado por um Gabriel Alves cruel: “Olha a viragem, agora é que é, Portugal vai avançar, Portugal remata… ao lado! Quase. Para o ano é que é.”

“Um ano depois sabemos que Portugal aguentou melhor do que alguma Europa no crescimento, no turismo, no investimento estrangeiro, na autonomia energética e no défice do Orçamento, mas sofreu, e sofre, na subida dos preços, no corte dos rendimentos, no corte dos salários reais, nos juros da habitação, no agravamento da pobreza e nas desigualdades sociais.”

Tradução: Nem tudo é mau, pá. Tirando o facto de tudo custar cada vez mais e nós termos cada vez menos, até nos aguentámos bem.

“Um ano depois sabemos que em Portugal, apesar daquilo em que estivemos melhor do que muita Europa, 2022 não foi o ano da viragem esperada, e entramos em 2023 obrigados a evitar que seja pior do que 2022.”

Tradução: Como já disse, ainda não foi desta. Talvez o melhor seja baixar as expectativas. Vamos tentar que o próximo ano não seja ainda pior do que este. Quem me acompanha neste brinde? A um ano que não seja pior do que 2022! Tchim-tchim.

“Um ano depois, sabemos que os portugueses escolheram dar maioria absoluta ao partido que governara nos seis anos anteriores, passando a não depender, portanto, dos antigos apoios partidários, nem de um entendimento com o maior partido da oposição.”

Tradução: Fizeram um lindo serviço, vocês. Parabéns!

“Um 2023 perdido compromete, irreversivelmente, os anos seguintes. Até porque será o único ano, até 2026, sem eleições nacionais ou de efeitos nacionais. 2024, 2025 e 2026 serão um longuíssimo período de constante campanha pré-eleitoral e eleitoral.”

Tradução: Se estes gajos não trabalham agora não sei quando vão trabalhar. A partir do ano que vem acontece o equivalente político àquela ocasião em que a gente tenta obter um documento, ou comprar alguma coisa, e nos dizem “desculpe, mas agora mete-se o Natal, portanto só em Janeiro”, uma vez que começa uma sucessão de eleições em que eles se entretêm com isso e não vão pensar em mais nada.

“Depois de quase dois anos de pandemia e quase um ano de guerra, é tempo de voltar a sonhar. Pelos portugueses, por Portugal. Muito boa noite e muito bom ano para todos vós.”

Tradução: Apesar de tudo, agora é que é. Tem mesmo de ser. Para o ano cá estarei para verificar que ainda não foi desta, e explicar as razões pelas quais no ano seguinte é que tem de ser.»

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