«Álvaro Santos Pereira, em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios de 11 de Janeiro, afirma que “quem diz que não devemos ter excedentes não percebe nada de economia”. Ou seja, para procurar convencer os interlocutores e ouvintes da razão da sua tese, desqualifica os que defendem tese oposta.
É certo, refere-se a Portugal (e à Grécia). Mas se Álvaro Santos Pereira tivesse razão, economistas como Olivier Blanchard, professor catedrático do MIT, antigo economista-chefe do FMI e um dos principais macroeconomistas académicos “mainstream” da actualidade, estaria condenado a ser incluído no grupo dos que não percebem nada de economia.
De facto, Blanchard, na sua intervenção “presidencial” na conferência da American Economic Association de Janeiro de 2019 em Atlanta, defendeu que, não obstante os níveis elevados de dívida pública do mundo ocidental, dadas as muito baixas taxas de juro, pode fazer sentido contrair mais dívida pública, isto é, registar défices. E Blanchard tem defendido a necessidade de rever as regras orçamentais europeias.
Também Paul de Grauwe tem criticado a obsessão europeia pelos excedentes orçamentais.
Na Alemanha, numerosos economistas académicos e a confederação da indústria alemã criticam a obsessão pelos excedentes orçamentais e defendem uma alteração constitucional para remover a regra travão à dívida inscrita na Constituição do país.
O governo conservador do Reino Unido está a preparar um programa de investimento público e a procurar abandonar a austeridade orçamental.
E até o FMI tem defendido a necessidade de redução dos excedentes orçamentais da Grécia, para permitir uma recuperação mais rápida da economia.
Por conseguinte, a tese de Álvaro Santos Pereira parece estar em contra-corrente. É positivo que tenha posições diferentes do actual consenso. Afigura-se-me que não tem razão. Mas não posso e estaria errado se argumentasse que Álvaro Santos Pereira não percebe nada de economia.
Surprise, surprise…
Na quarta-feira, 8 de Janeiro, o PCP anunciou que se iria abster na votação na generalidade da proposta de Orçamento do Estado de 2020. Na quinta-feira, 9 de Janeiro, o Bloco de Esquerda anunciou que se iria abster na votação na generalidade da proposta de Orçamento do Estado de 2020.
E… surpresa!
Na sexta-feira, 10 de Janeiro, Pedro Santos Guerreiro, na TVI, refere que afinal o Governo agora espera que as contas públicas registem um excedente orçamental já em 2019 e o ministro das Finanças declara no Parlamento que é provável que a dívida caia em termos nominais em 2019.
É decepcionante que este jogo do gato e do rato continue, mas é positivo que o Governo assuma, pela primeira vez, que em 2019 registará um excedente orçamental. Esse excedente deveria ser utilizado para melhorar muito o OE2020 na especialidade. Em particular, é fundamental assegurar aumentos, acima da taxa de inflação esperada, dos salários de todos os funcionários públicos e de todas as pensões de reforma. Seria provavelmente possível fazê-lo, revendo a estimativa do saldo orçamental em 2019 para um valor que mais se aproxime do observado (+0,2% do PIB?) – o que libertaria cerca de 600 milhões de euros para despesa pública adicional – e mantendo o objectivo de saldo orçamental para 2020 em 0,2% do PIB.
O Orçamento de despedida de Mário Centeno
Tudo parece apontar para que este seja o último orçamento elaborado por Mário Centeno e afigura-se que em toda a esquerda, PS inclusive, são evidentes os sinais de alívio acerca do início dessa nova etapa da governação no Ministério das Finanças.
A estratégia orçamental de Mário Centeno, que partidos conservadores de outros países estão no presente a abandonar, está a destruir os partidos de esquerda que apoiam o Governo, como se depreende de uma crónica de Daniel Oliveira no Expresso. Em particular, o PS está a implementar uma política orçamental que se traduz no empobrecimento e descontentamento do seu eleitorado, classe média baixa e classe média. Os eleitores de classe média elevada, tipicamente mais conservadores, que gostam da política orçamental de Mário Centeno, nunca votarão PS. Por este andar, o PS caminha feliz para votações muito mais baixas...
A questão é como é que o PS pode substituir, elegante e discretamente, o ministro das Finanças Mário Centeno. A solução provável para esse dilema – inapropriada, como argumentou Luís Aguiar-Conraria no PÚBLICO, devido a conflitos de interesse, tese aliás suportada pelo novo rumo que parece estar a ser desenhado para o Novo Banco (ver texto abaixo) – será a nomeação de Mário Centeno para governador do Banco de Portugal em Maio ou Junho de 2020.
O cargo de ministro das Finanças é difícil e ingrato. Mário Centeno teve um papel importante e contributos muito positivos num período crítico para a economia portuguesa. Mas a actuação de Mário Centeno em relação à banca, à gestão da dívida pública e à estratégia orçamental teve fragilidades que originaram elevados custos para o país.
É, por conseguinte, positivo para o país e para os partidos que apoiam a política orçamental do Governo a passagem de testemunho que se avizinha.
Mais um mau Novo remendo para o Novo Banco
Quando se pensa que os nossos governantes não conseguem tomar mais nenhuma má decisão em relação a um dado dossier polémico, eles surpreendem-nos.
O Banco de Portugal e o Ministério das Finanças precisaram de mais de três anos, gastaram milhares de milhões de euros em injecções de dinheiros públicos e privados, dezenas de milhões de euros em consultadoria e centenas de horas de tempo dos mais importantes líderes políticos nacionais no processo de privatização do Novo Banco, numa fuga para a frente, doando-o e oferecendo 3,9 mil milhões de euros de garantias contingentes à Lone Star, após um “concurso” surreal e sui generis.
Nem dois anos decorridos, o adquirente do Novo Banco – a Lone Star –, tendo realizado já as necessárias mais-valias, está vendedor. E o Banco de Portugal e o Ministério das Finanças correm, de novo desesperados, à procura do próximo remendo de milhares de milhões de euros públicos.
Já começou a campanha de desinformação e de propaganda. A nova solução milagrosa, asseguram-nos, que permitirá poupar milhões, é ajudar o BCP a comprar o Novo Banco à Lone Star.
Esta seria novamente uma das piores soluções mas aparenta ser de novo “a única alternativa possível”. Já nem se espera que haja consequências em relação aos decisores que tão imprudentemente doaram o Novo Banco à Lone Star há pouco mais de dois anos numa solução que agora se revela instável. Já seria óptimo, por uma vez, que o bom senso prevalecesse neste dossier e que o Novo Banco não fosse adquirido pelo BCP (nem outra solução similarmente desastrosa), mas infelizmente a experiência passada não augura boas decisões.»
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