«A última assembleia geral do Bayern Munique, no final do mês passado, foi tumultuosa. Os trabalhos foram interrompidos por um grupo de sócios que exige discutir o fim da relação do clube com a Qatar Airways e que contesta as ligações ao país onde se vai realizar o próximo campeonato do mundo de futebol. O Bayern pode ter um registo imparável na Liga alemã, navegar à vontade na Champions, respirar saúde financeira, ser uma das maiores marcas desportivas do mundo e ainda há adeptos que exigem aos seus dirigentes que se preocupem com as violações dos direitos humanos...
O contraste com o ambiente que rodeia os clubes nacionais não poderia ser maior. Não custa falar de um diferente estado civilizacional. Ao longo de muitos anos, com picos como o dos últimos meses, dirigentes, jogadores e empresários têm surgido em casos de corrupção, fraude fiscal, lavagem de dinheiro, desvio de verbas, gestão danosa. Mas, na esmagadora maioria dos casos, os adeptos respondem a isso com silêncio.
É trágico que assim seja, porque poucas actividades têm tanto impacto na nossa vida colectiva como esta, capaz de alimentar com tanta paixão laços de comunidade, de união, de vontade de superação. Para uma sociedade, felizmente, cada vez mais exigente no combate à corrupção, é de uma enorme hipocrisia que seja tão muda a conviver com o que se passa no futebol – que não poupa nenhuma camada, como se pode ler no trabalho publicado hoje – e com as suspeitas que rodeiam os principais dirigentes, mesmo que seja de delapidarem o clube em proveito próprio, como acontece com o Benfica e com o FC Porto.
Para já, estamos no estado civilizacional do silêncio, em que é mais fácil os maus resultados desportivos encherem os estádios de lenços brancos do que casos criminais levarem à contestação de dirigentes. Mas há sinais de mudança. As investigações de jornais como o PÚBLICO, o trabalho das autoridades, que já não esperam que um dirigente deixe de o ser para o investigar, tornam cada vez mais visível o que não deve ser tolerado no mundo do futebol, como em nenhum outro sector da sociedade.
É provável que os apelos dos sócios do Bayern não sejam atendidos, até porque os clubes já não são verdadeiramente dos seus sócios. Mas as grandes marcas, como o clube alemão de futebol, sabem que dependem muito da opinião dos consumidores. E num outro estádio civilizacional a sua voz é cada vez mais determinante em questões que envolvam direitos humanos. Mesmo que partamos atrasados, não devíamos deixar de seguir o caminho dos adeptos do Bayern.»
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