30.9.21

Rendeiro e a Justiça em parte incerta

 


«O país assistiu atónito a mais um caso que é um tiro em cheio na credibilidade das nossas instituições: João Rendeiro, o antigo banqueiro no centro da falência do Banco Privado Português (BPP), fugiu para parte incerta e estará num país sem acordo de extradição com Portugal. Ironia das ironias, anunciou que o fez no exacto dia em que foi condenado em mais um processo relacionado com o BPP, desta vez a três anos e meio de prisão efectiva por burla qualificada.

Vale a pena esboçar uma brevíssima cronologia do caso Rendeiro para melhor se perceber o que está em causa: o BPP faliu em 2008, acumulando prejuízos de 700 milhões só nesse ano e deixando um rasto de 3000 clientes lesados. Rendeiro levou anos a ser acusado e só em 2014 começou a responder em tribunal pela queda do banco. Foi condenado em três processos, a dez, cinco e três anos de prisão, e só num deles a sentença transitou em julgado – aconteceu agora mesmo, no passado dia 17 de Setembro, 13 anos depois do colapso do BPP. Foi a sua prisão iminente que o levou a viajar para Londres, de onde partiu agora em trânsito para parte incerta.

A fuga de Rendeiro encerra três pecados capitais: demonstra uma vez mais a ineficácia de um sistema de justiça demasiado moroso e em permanente plano inclinado para as garantias da defesa – de recurso em recurso, de incidente em incidente, o caso Rendeiro é todo um manual de instruções sobre como ludibriar a Justiça e arrastar as decisões para lá do limite do razoável; acentua a percepção de que há uma Justiça para ricos e outra para pobres e que o Estado de direito não serve a todos por igual; e é, pelo que representa de descrédito numa instituição primordial à vitalidade das democracias, o pasto perfeito de que se alimentam os populismos e todo o tipo de justiceirismo popular.

Nas três últimas décadas, Portugal acumulou uma galeria apreciável de arguidos notáveis que deram o salto para fugir à Justiça – praticamente todos, é certo, acabariam mais cedo ou mais tarde por regressar ao país. Há processos demasiado importantes a serem dirimidos nos tribunais para que continuemos a ser confrontados com fugas espectaculares e a terrível sensação de impunidade.»

.

0 comments: