24.4.22

Apregoar e praticar a liberdade

 


«À medida que o tempo vai apagando o testemunho direto dos que viveram na pele os anos sombrios que antecederam o 25 de Abril, será inevitável que a nossa relação com esse período se torne cada vez mais documental. Poderemos olhar para as estatísticas da escolarização, da proteção no desemprego, da saúde infantil, e perceber o alcance das conquistas de Abril, mas tocaremos cada vez menos o país real que éramos nesse tempo, quando em grande parte do território não havia água canalizada, luz ou esgotos.

Hoje, parece-nos já ficção a via-sacra das mulheres quando não podiam exercer o comércio sem o consentimento do marido, nem aceder às carreiras da magistratura, diplomática ou militar. Certas profissões implicavam limitação de direitos, como o de casar. Mães solteiras não tinham proteção legal e o Código Penal permitia ao marido matar a mulher em flagrante adultério, sofrendo apenas um curto desterro como consequência.

Sendo inequívocas as portas que Abril abriu, muitas promessas continuam por concretizar. Numa sociedade mais equitativa, na permanente renovação das condições de participação cívica, na aposta efetiva na qualificação e na Cultura. A política é sempre ação, seja ela exercida numa tribuna parlamentar ou na associação de bairro. A liberdade não se apregoa: pratica-se. Celebrar a revolução não é um exercício retórico, muito menos evocativo ou histórico. É o reconhecimento de que tantas liberdades continuam a ser atropeladas, mais ainda num tempo que acreditamos ser de expansão da palavra por via da facilidade de acesso tecnológico a tudo.

Pacheco Pereira sublinha, na entrevista de hoje ao JN e à TSF, a importância insubstituível da mediação, numa altura em que rumores e polémicas ocas das redes são elevadas à categoria de acontecimento. E é frágil o vigor do jornalismo, num setor em crise e desgaste há duas décadas, abalado por debilidades financeiras e por isso exposto ao risco de pressões de toda a natureza. Celebrar Abril é valorizar o direito de informar e ser informado, num exercício imparcial e rigoroso essencial para a democracia. A liberdade, mais uma vez, não se apregoa: pratica-se. Mas por vezes até apregoar é preciso. Para que não nos esqueçamos nunca da fragilidade dos direitos.»

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