13.2.21

A crise é bem mais que pandémica



 

«Em Portugal, como no conjunto dos países da União Europeia (UE), a pandemia trouxe agravamento de problemas às sociedades, mas as crises de que hoje tanto se fala têm origens bem anteriores e mais profundas.

A necessidade de medidas excecionais evidenciou a insustentabilidade do modelo económico e financeiro dominante; a irracionalidade das cadeias de valor em que a economia tem assentado; a violência da precariedade laboral e do desrespeito pelo trabalho digno; o impacto negativo das políticas neoliberais sobre o papel dos estados e sobre valores do bem comum e da comunidade; as fragilidades da democracia; a necessidade de uma atitude nova perante a globalização, fortalecendo as sociedades na sua organização regional, a nível dos estados e dos territórios. O drama é que se teima em não mudar muito o desastroso rumo que vinha de trás.

A União Europeia não se reforça como poder regional. Não é um polo com "autonomia estratégica" e pode caminhar para uma rutura profunda, com uma parte a encostar-se ao polo geopolítico que se afirma a Leste e, a outra, mais integrada no polo "Atlântico". Entretanto, no fundamental, a UE está a responder à crise prosseguindo políticas assentes na insultuosa dicotomia "frugais"/"não frugais", deixando países como Portugal numa situação delicada. Num contexto mundial em que se acentua a quebra das trocas comerciais, dos fluxos financeiros e dos movimentos do Investimento Direto Estrangeiro, os desafios tornam-se pesadíssimos. Acresce, para nosso mal, que a cultura dominante das maiores forças políticas nacionais há muito se entregou a um sebastianismo provinciano face ao exterior e, em particular, à UE.

O nosso país necessita de um Governo mais capaz em várias áreas e com muito mais fôlego. Oxalá o primeiro-ministro tenha vontade e determinação para tratar da tarefa logo que a pandemia esteja controlada. Contudo, esse fôlego jamais será conquistado se a direita do Partido Socialista for, como está a ser cada vez mais, a representante da Direita. Deixem à Direita a tarefa de tratar dela própria e de definir se se distancia ou não das forças antidemocráticas e fascistas. Se Rui Rio é uma confirmação do Princípio de Peter, compete ao PSD resolver o problema. Se quer o PSD quer o CDS não têm respostas (e não têm) para os problemas que o país enfrenta, espicacem-se e responsabilizem-se, mas só isso.

No plano noticioso e do comentário político a crise é profunda. Dominam os cenários apocalíticos, a ausência de reflexão, o registo individualista e o corta-cabeças. E não faltam notícias falsas ou manipuladoras. Esta semana disse-se que o salário médio dos portugueses subiu durante a pandemia. Puro engano. A ilusão resulta do facto de muitos milhares de trabalhadores precários e outros com baixos salários terem ido para o desemprego, deixando de contar para o cálculo da média.

Na economia e no trabalho os problemas a resolver são grandes. Os apoios às empresas não serão eternos, não existem sinais de mudança qualitativa na matriz de desenvolvimento e o desarmar do lay-off poderá colocar muitos trabalhadores na rampa do desemprego.

Há que desmontar as panaceias do determinismo tecnológico e da "deslaboralização" das sociedades e impedir a regulação unilateral do trabalho, para se defender emprego e termos sistemas de segurança social que garantam vidas dignas.»

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1 comments:

Leituras de Salto Alto disse...


"...esse fôlego jamais será conquistado se a direita do Partido Socialista for, como está a ser cada vez mais, a representante da Direita."

É para mim a dica principal do texto do Manuel Carvalho da Silva.

nelson anjos