11.3.25

O salto no escuro de Montenegro





«Em 2009, José Sócrates foi a votos com um caso judicial a ferver. Ganhou. Mas não foi absolvido. Dois anos depois, caiu, arrastado pelo peso da sua própria sombra. O que as urnas lhe deram, a realidade tirou. E, hoje, Montenegro segue o mesmo caminho. Convoca uma moção de confiança para ser chumbada. Assume a pose de vítima. Simula um cerco que só existe na sua narrativa. Porque, se há instabilidade, não vem do Parlamento. Nem da oposição. Nem da ausência de apoios. Vem dele.

E há formas de esclarecer. Há mecanismos para investigar. Montenegro poderia ter aproveitado as inúmeras oportunidades que teve, desde o primeiro dia, para explicar ao país que não fez nada de errado, que não acumulou rendimentos, que a sua empresa prestou serviços legitimamente. O Ministério Público pode abrir um inquérito. Uma Comissão Parlamentar pode escrutinar o seu passado. Há uma estrada para a transparência. Mas Montenegro não a quer percorrer. Prefere o atalho das eleições.

Como se um boletim de voto fosse um certificado de idoneidade. Como se uma vitória apagasse os factos. Se quisesse resolver a crise sem se prestar ao escrutínio democrático, a solução era óbvia. Bastava sair, indicar ao Presidente da República um novo Primeiro-Ministro. Há cerca de ano e meio, Marcelo recusou essa hipótese. Agora, poderia reconsiderá-la — porque o problema não é o governo. É ele. E, se o problema é ele, o governo ainda pode ser salvo. Mas Montenegro não quer salvar o governo. Quer salvar-se a si próprio. E arrasta o país com ele.

Fá-lo em modo de campanha. Já não governa. Candidata-se. A residência oficial do Primeiro-Ministro virou estúdio. Há um ano e meio, criticava — e bem — António Costa pelo mesmo. Agora faz igual. Como se o cenário apagasse o enredo, como se a contagem decrescente para as urnas reescrevesse a história.

E se o Ministério Público abrir um inquérito a meio da campanha? E se Montenegro for constituído arguido? Ontem, disse que não vê razões para desistir. Mas, então, porque afastou Luís Newton e Carlos Eduardo Reis quando foram constituídos arguidos? Para eles, a suspeita foi sentença. Para si próprio, irrelevante. O critério muda conforme a cadeira que se ocupa?

O voto dissolve suspeitas? A eleição apaga as perguntas?

As eleições não são um ritual de purificação. Não são água benta. São, quando muito, um espelho. E, quando Montenegro olhar para esse espelho, não verá redenção. Verá o reflexo da mesma crise, da mesma sombra, do mesmo impasse que recusou enfrentar. Porque o problema não é político. É dele.

E, enquanto for dele, será do país.»


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