14.3.25

Primeiro tomamos Espinho, depois Berlim

 



«Há um ano, a distância entre a AD e o PS foi muito curta – escassos 54 mil votos, no que foi a vantagem mais pequena em legislativas em cinco décadas de democracia. Esquecemo-nos, mas a maioria que agora cessa dependia de dois deputados eleitos pelo CDS. Com esta circunstância de partida, é difícil antecipar quem sairá vencedor. Pura e simplesmente, não sabemos de que forma a vantagem que a AD tem (está no Governo há pouco tempo, ainda sem as naturais marcas globais de fadiga, e com os ventos económicos a soprar a favor) será contrabalançada por uma perda de confiança no primeiro-ministro, que vê a sua credibilidade afetada por um problema ético. É prematuro antecipar como é que os portugueses estão, de facto, a ler e a processar o que se vai sabendo sobre o universo empresarial de Montenegro.

Se estas são as dimensões incertas das eleições, é possível antecipar com alguma segurança que a correlação de forças entre esquerda e direita não se alterará profundamente. Mesmo que o PS saia vencedor, a direita preservará uma maioria de deputados. Do mesmo modo que o cenário de fragmentação parlamentar se manterá, com cerca de uma dezena de partidos representados em São Bento. O que deve ter consequências: com um sistema organizado num número crescente de polos que pouco dialogam entre si, a formação de uma maioria para governar será uma tarefa cada vez mais exigente.

Perante isto, restam dois caminhos: o país envereda irremediavelmente por uma sucessão de microciclos governamentais ou a cultura política dos partidos altera-se e estes, em lugar de se andarem a esgatanhar, demonstram maior propensão ao compromisso.

A este propósito, nos últimos dias não têm faltado vozes a sugerir que se atente no exemplo de Berlim. Na Alemanha, ultrapassado o período que se seguiu à Guerra, com uma bipolarização perfeita entre CDU e SPD, os últimos longos anos têm sido caracterizados por governos assentes em coligações amplas, formadas após aturadas negociações programáticas. Agora, CDU e SPD não hesitaram em voltar a entender-se, numa espécie de bloco central protetor da natureza demoliberal do regime face à ameaça de extrema-direita.

Entre nós, não há nenhum motivo para se ir tão longe como na Alemanha na articulação entre PSD e PS. Mas há uma exigência de reciprocidade, se o “não é não ao Chega” for para ser levado a sério. O que implica responder a uma pergunta crucial na campanha: o segundo partido mais votado viabiliza o programa de Governo e o primeiro orçamento sem se envolver em nenhuma negociação?

A resposta a esta pergunta encerra, agora, um estranho paradoxo. Enquanto há um ano era o PS que estava numa posição mais difícil – na medida em que, sem maioria de esquerda e com impossibilidade de apoio do PSD, qualquer solução de Governo envolvendo os socialistas era politicamente inviável, desta feita é o PSD que se encontra nessas circunstâncias. Após a novela Spinumviva, não se pode pedir a nenhum partido que viabilize um executivo PSD com Montenegro primeiro-ministro. As coisas são como são: quem escolhe a via Espinho não pode, depois, esperar que os restantes partidos sigam o exemplo de Berlim.»


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