13.3.25

O suicídio moral do PSD e a anemia geral dos partidos

 


«Manuela Ferreira Leite: "Isto é o caminho para a ditadura" José Pedro Aguiar-Branco: “Pedro Nuno Santos fez pior à democracia nestes últimos seis dias do que André Ventura nos últimos seis anos” Sebastião Bugalho: "Este PS é um Chega de Esquerda”. Estas frases alucinadas, em que nenhuma destas pessoas pode, não seu perfeito juízo, acreditar, foram ditas ontem, no Conselho Nacional do PSD. Elas não são tão absurdas por haver uma grande indignação. Elas são tão exageradas porque toda esta indignação, depois do triste espetáculo de quarta-feira, é artificial. E quanto mais artificial, mais caricatural. O que existe entre muita gente do PSD é incómodo. Incómodo e, com honrosas excepções, uma enorme falta de coragem.

Talvez por não ter nada a perder ou a ganhar, Jorge Moreira da Silva foi das poucas vozes com peso no PSD a dizer o que praticamente muitas figuras relevantes do partido realmente acham: que aquilo a que estamos à assistir é “penoso” e revela muito sobre o estado do PSD. E acrescentou que receia “que os dirigentes do PSD (nacionais e distritais) não tenham percebido o verdadeiro impacto desta crise na relação com os eleitores e no futuro próximo do PSD”. Imagino que não estivesse sequer a falar do impacto eleitoral, que é uma incógnita, mas de um impacto mais profundo, que deixará, como deixou no PS, marca duradoura na confiança dos portugueses.

Com José Sócrates, tudo começou com pequenos avisos, alguns favores e muito desplante. Continuou com inexplicáveis sinais exteriores de riqueza. Se ouvirmos a reação de Hugo Soares à legitima pergunta sobre a onerosa estadia do primeiro-ministro no Hotel Sana, quando existe uma residência oficial e os preços parecem incomportáveis (o primeiro-ministro tem de pagar os de mercado) para uma longa estadia, foi semelhante às indignações de Sócrates com as perguntas sobre os seus gastos privados quando já nem sequer era primeiro-ministro. Não estou a dizer que Montenegro é Sócrates, até por haver uma grande distância entre Espinho e Paris. Estou a dizer que depois de Sócrates há benevolências que não nos devemos permitir.

Esta campanha vai ser feia, porque a única safa de Montenegro é começar a espalhar, mesmo que por interpostas pessoas, a lama em que foi apanhado a chapinhar. E acontecerá num momento especialmente difícil, em que o país devia estar a discutir coisas bem mais relevantes. Perante uma nova queda do muro de Berlim, vamos para umas eleições falar da avença de um primeiro-ministro que decidiu atirar o país para uma crise para não expor as suas vulnerabilidades éticas.

Se é disto que Moreira da Silva fala quando fala do “impacto desta crise” está carregado de razão. Engana-se é quando teme que os dirigentes do PSD não o tenham percebido. Pelo menos os dirigentes nacionais, que têm alguma cultura política, perceberam perfeitamente. Mas, como me explicava uma figura importante no passado do PSD, não há partido para reagir a isto.

Não tenho a menor dúvida que se o PSD tivesse um sobressalto republicano e fizesse cair Montenegro para o substituir por Passos Coelho ou Moreira da Silva (duas opções bem diferentes), até poderia vencer as eleições. No segundo caso, até poderia haver condições para Marcelo fazer o que não aceitou com Costa, quanto ele propôs Centeno para o substituir. Perdesse ou ganhasse, o PSD mantinha intacta a sua superioridade moral face ao passado do PS. Só que esse partido já não existe. Esses partidos já não existem. Existem, pelo menos nos grandes, federações de carreiras e negócios locais. É dessa realidade que emana, aliás, Montenegro e os problemas que hoje o perseguem.

Há, claro que há, muita gente no PSD incomodada. Alguns até poderiam falar, como Moreira da Silva falou, por, como ele, nada terem a perder ou a ganhar. Perguntam-se é para quê. Sabem que não faria qualquer diferença. Que ficariam sozinhos, desligados da massa clientelar que faz fila para ir ao pote, como tem sido evidente na fúria exoneradora e nomeadora destes meses, especialmente em serviços descentralizados que mexem com muito dinheiro, como a saúde. Como a direção do PSD mandou dizer, por via de fonte não identificada, “quem tentar abrir uma guerra interna morre”.

A melhor solução para uma crise que se centra em Montenegro, e não no governo ou no PSD, teria de vir do próprio PSD. Em nome da ética republicana, travando a caminhada para o lodo. E isso não aconteceu porque não pode acontecer. O que nos pode levar a debates sérios sobre o nosso sistema político e eleitoral, mesmo os que me desagradam.

Prefiro, politicamente, Pedro Passos Coelho a Luís Montenegro? Não. Mas não tenho dúvida que se o PSD não fosse dominado por minúsculas carreiras locais o ia buscar para substituir Montenegro e ir a votos. E nós aqui estaríamos para debater o que interessa: opções políticas, económicas e sociais. Isso não é possível, porque não há política que sobreviva a um caso tão de descaradamente evidente de falta de ética. Não é possível discutir política com um primeiro-ministro que recebe uma avença de casinos quando está no cargo. Gostaria de estar, neste momento, a opor-me a um bloco central, que impede que haja alternativas claras entre si, caso Moreira da Silva fosse líder do partido. Gostaria de estar, neste momento, a opor-me à radicalização do PSD, que o transformaria num misto do neoliberalismo radical da IL com o extremismo do Chega, caso a escolha fosse Passos Coelho. Porque sei que, em qualquer dos casos, não estaríamos a falar de avenças e esquemas. Por assim não ser, o PSD é o único responsável.»


1 comments:

niet disse...

" La vie est un tissu de poignards
Qu´íl faut boire goute à goute " Michel Rocard, 1991

Daniel Oliveira equilibra-se muito bem na floresta de enganos em que se transformou o espaco politico nacional. Montenegro arriscou e ,tal como acontece com o caso Sócrates, as provas de uma provável
inculpacäo desapareceram por magicas manobras...Os heroicos e penalizados jornalistas portugueses
enfrentaram bem um labirinto de contra-verdades postas em movimento pelas oficinas de contra-
Informacäo do Governo. Mas nada está assegurado no apuramento da montagem de figurinos de decifracäo e contraste da realidade dos factos de penalizacäo criminal insofismáveis. A ousadia mefis-
tofélica posta em cena pelo P. Ministro tentou neutralizar o PR Marcelo, mas excedido pelo arrojo do seu
chefe do Governo, o Presidente subiu a parada e a censura num balanco ditirâmbico e implacável
realizado no final do Conselho de Estado.Niet