12.12.22

A arte de existir em desaceleração

 


«No conto "Descida ao Maelström", Edgar Allan Pöe explora os diferentes estados emocionais de um pescador apanhado pelo aterrorizante redemoinho que ameaça engoli-lo. No início da descida, adormecido pela falta de esperança, o protagonista sente-se esmagado pela ação conjunta do vento e dos jatos de água e espuma. "Eles cegam, ensurdecem e asfixiam, e anulam toda a capacidade de ação e reflexão."

Ao longo dos anos, volto muitas vezes a este conto para refletir sobre a aceleração da nossa existência, que nos deixa tantas vezes impotentes perante o abraço do grande vórtice. A falta de tempo não é um mero queixume, ou uma desculpa recorrente para as nossas imperfeições. É uma grande tempestade à qual nos vamos entregando, e que na sua voragem nos deixa sem capacidade de observar e pensar o mundo, capacidade crucial para descobrir a chave capaz de nos fazer regressar à superfície.

A candidatura vencedora de Évora a Capital Europeia da Cultura é um profundo alerta existencial e um convite a iniciarmos a saída do vórtice. Como se anuncia no projeto, o objetivo é abrir espaço para um mundo ainda por vir, uma forma de humanidade que tem a cultura no centro. O vagar, que o júri reinterpreta na universal filosofia "slow living", é a expressão ancestral que sintetiza um modo de ser assente na memória, que abre espaços no tempo para observar a paisagem e se fundir com ela, que cria pontes globais entre aquilo que é local e até marginal.

Num mundo acelerado, que só uma pandemia obrigou a colocar em pausa, o vagar é um desafio para a humanidade, tão oportuno que se afirmou como marca distintiva da candidatura. A pluralidade de abordagens, optando pelo termo "culturas" ao invés da forma singular, foi outra mais-valia. Existimos no cruzamento de perspetivas, na troca de olhares diversos sobre o mundo que nos rodeia. Mas a criação que esse olhar motiva exige tempo. Pensar exige tempo. Hoje vivemos com mais recursos e tecnologia do que nunca, mas será o tempo o fator decisivo para, em cada crise, pensarmos o mundo e termos lucidez para encontrar a solução certa. No fundo, para conseguirmos ver o barril a que iremos amarrar-nos até sair do Maelström.»

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