«Pior do que a solidão do poder é a solidão que se segue ao exacto minuto em que se perde o poder – e as imagens de Cristiano Ronaldo a começar os jogos no banco nestas duas últimas rondas de Portugal no Mundial do Qatar são o mais perfeito registo do que sempre acontece quando termina o grande unificador, o poder do chefe da repartição das finanças número 9 de Lisboa ou do outrora melhor jogador do mundo. Nunca há complacência para quem está “no banco” e qualquer humano que esteve numa posição de poder e deixou de estar fica capaz de fazer uma tese de doutoramento sobre o sentido mais puro do efémero e de como é possível passar, num instante, de “bestial a besta”, para usar a frase popular que melhor define estes processos.
As lágrimas de Ronaldo a deixar o campo no seu último Mundial de futebol são outro poderoso símbolo – a queda do ídolo não é diferente da queda dos meros mortais. Por exemplo, na política, com raras excepções, acaba-se sempre mal: restringindo a amostra apenas a recentes primeiros-ministros, Guterres acabou mal, Durão acabou mal, Santana Lopes acabou mal, Sócrates acabou pessimamente, Passos acabou mal sem conseguir segurar o seu governo em 2015.
Na recente entrevista que deu ao podcast de Francisco Pinto Balsemão, o Presidente da República disse que era um solitário e estava cada vez mais solitário “até para se defender”. Em conversa com o meu camarada Vítor Matos, para o trabalho sobre o Presidente da República que está publicado na edição deste domingo, a questão da solidão de Marcelo também veio ao de cima. Vítor Matos, jornalista do Expresso, é autor de uma biografia notável de Marcelo Rebelo de Sousa que, no caso de o Presidente ficar para a História, será leitura obrigatória nas universidades. A questão é que, no momento presente, há dúvidas fundadas sobre se a presidência de Marcelo fica para a História.
Vítor Matos argumentava que boa parte dos problemas do Presidente se deve ao seu desejo absoluto de solidão. “Está cada vez mais sozinho, não tem assessores de imprensa”, dizia o Vítor. O facto de não ter assessores de imprensa fará de Marcelo um caso único nos gabinetes de chefes de Estado de todo o mundo ou, pelo menos, das democracias ocidentais.
Marcelo está evidentemente a confundir “a solidão do poder” com “a solidão no poder”. A “solidão do poder” foi particularmente sentida por Jorge Sampaio quando, contra a vontade da sua família política, o PS, da esquerda e de boa parte do PSD, decidiu empossar Pedro Santana Lopes como primeiro-ministro em 2004 sem convocar eleições antecipadas. A dura decisão foi tomada contra a opinião de quase todos os seus conselheiros, com a excepção de Magalhães e Silva. É dos casos da história portuguesa recente em que a solidão do poder foi mais simbolicamente protagonizada pelo chefe de Estado.
Agora, o facto é que Jorge Sampaio tinha um grupo de amigos próximos – alguns deles trabalhavam em Belém – com quem se aconselhava politicamente. O mesmo com Mário Soares: Soares Presidente sempre decidiu o que entendia, mas tinha conselheiros que ouvia.
Marcelo ouve alguém? Tem um grupo de conselheiros que lhe digam tudo o que ele não quer ouvir? A ideia é que não – e a entrevista a Pinto Balsemão confirma-o. Marcelo diz que está sozinho “para se defender”. O problema é que o outrora consensual Marcelo, amado à esquerda e à direita, já deixou de o ser – ao ponto de nos últimos tempos ter sido mesmo o PS ou o primeiro-ministro a vir em defesa do Presidente da República. Foi Marcelo, antes das presidenciais de 2016, a dizer que o Presidente tende a “apagar-se” quando há uma maioria absoluta. A tendência tem que ser invertida porque é exactamente nestas circunstâncias que o povo precisa mais do chefe de Estado.»
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