«O Partido Socialista e a sua maioria parlamentar apresentam ao país o orçamento de Estado para o próximo ano de 2023 com uma marca muito elogiada pela direita, pelos patrões e pelos principais comentadores políticos do regime. De que se trata, então? Trata-se da expressão “contas certas”. Parece que este conceito vem substituir a narrativa “não deixar ficar ninguém para trás”, lembram-se?
Ora, as contas certas, bandeira de afirmação e tentativa desesperada para Fernando Medina aumentar a sua reputação e peso político dentro do Governo, apesar de ser um termo técnico, complexo, multidisciplinar e difícil de decifrar para o povo menos escolarizado, quer dizer, menos despesa pública, menos investimento do estado, mais obediência aos tratados orçamentais da Europa, mais garrote asfixiante para financiar as instituições e os serviços públicos.
Ninguém quer um país endividado a gastar mais do que a riqueza que produz. Ninguém defende o crescimento de uma dívida incontrolável, ninguém propõe que não se pague a quem se deve. Ninguém diz que o que é preciso é gastar sem preocupação de angariar receitas. Todos defendemos equilíbrio entre despesa e receita para consolidar a boa governação. A economia ao serviço das pessoas e não as pessoas escravas da economia.
Vamos então perceber como chegamos aqui e de quem é a responsabilidade.
Quem viveu acima das suas possibilidades? Foram os pobres com prestações sociais miseráveis? Foram os trabalhadores com salários mínimos a trabalhar e, mesmo assim, a empobrecer? Foram os reformados e os pensionistas que chegam ao fim de cada mês sem dinheiro para comprar os medicamentos e pagar a renda de casa? Foram os beneficiários do Rendimento Social de Inserção que gastam a migalha mais minúscula do orçamento global da segurança Social?
Não, estimados leitores, quem gerou este desequilíbrio financeiro e a monstruosidade da dívida pública foram as más políticas dos sucessivos governos do PS, PSD e CDS. Quando faliram os bancos privados, foi o dinheiro público que saiu para o bolso dos accionistas; quando as parcerias público-privadas correram mal, o prejuízo foi acautelado mais uma vez pelo bolso dos contribuintes; quando as empresas públicas começaram a derrapar e a sua contabilidade começou a dar sinais de pouca sustentabilidade, ninguém fez nada para as salvar (desculpem, fizeram, nomearam para essas empresas quase falidas mais jobs para cargos remunerados a preço de ouro); quando grandes grupos económicos começaram a fugir ao fisco e a tentar pagar menos impostos em Portugal, nenhum governo teve coragem de agir para corrigir este escândalo. Quando na Europa fixaram taxas de juro exorbitantes para liquidar a nossa dívida, ninguém bateu o pé para renegociar.
Chegados aqui, vamos continuar a esperar 14 horas para sermos atendidos numa urgência de um hospital público. Vamos ver o filho do nosso vizinho a desistir da faculdade porque não encontrou alojamento e vaga numa residência universitária, vamos continuar a ver disparar o número de funerais sociais, gente que morre na rua e que já não tem qualquer tipo de laço familiar ou institucional.
Para manter as contas certas, o investimento na construção de habitação pública não vai sair do papel. Para manter as contas certas, muitas competências da área social vão ser transferidas para as autarquias locais e esta decisão política é tão má como quase criminosa. Para manter as contas certas, vão continuar a faltar recursos e meios para acompanhar e integrar as comunidades de imigrantes e as imagens destes trabalhadores no Alentejo devem-nos envergonhar a todos. Para manter as contas certas, vai novamente faltar dinheiro para prevenir a reincidência no crime e a ressocialização inclusiva dos reclusos.
Nas crises cíclicas da economia capitalista são sempre os mais vulneráveis, com menos capital económico, social e cultural que sofrem a privação e a precariedade nas suas vidas. As políticas de austeridade, mesmo que sejam mais doces e suaves à moda do PS, lançam sempre estilhaços existenciais sobre as famílias mais pobres.
Baixar a dívida não deve ser incompatível com a preocupação política de proteger as pessoas. O crescimento económico deve servir para pagar essa dívida sem sacrifício dos mais desfavorecidos. O problema é que a política de direita do PS, à semelhança dos anos traumatizantes do governo de Pedro Passos Coelho, quer baixar a dívida a todo o custo para lá do que é necessário. E isso, socialmente, já está a gerar consequências trágicas.
Espero que o Governo vá sacrificar a meta do défice de 0,9%, prevista para 2023, para evitar, como diz Manuel Carvalho, diretor do jornal Público, uma nova vaga de pobreza e o agravamento dos lamentáveis índices de desigualdade e pobreza.
O argumento de que tem de ser assim porque agora existem fatores externos que não podemos controlar, como a guerra da Ucrânia e a inflação, só demonstra que o PS sem a influência política da geringonça é mesmo o melhor aliado de António Saraiva e da CIP.»
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