17.3.25

Um convite para a lama

 


«Com as intervenções tresloucadas no Conselho Nacional do PSD, está dado o mote para a campanha do partido: a vitimização. E o mantra será o de que qualquer debate sobre a honestidade do primeiro-ministro representa uma cedência ao discurso do Chega. Como se o PSD tivesse ficado longe desse tipo de temas na última década, quando estava na oposição. Não deixa de ser irónico que o digam os que puseram em causa a estabilidade, caso a oposição não decretasse que o primeiro-ministro estava acima de qualquer suspeita, e que impuseram eleições para avaliar o caráter de Luís Montenegro, como se houvesse plebiscitos na ética, defendendo que quem tratar do tema que escolheram para esta campanha é de extrema-direita.

O que podemos debater nos próximos dois meses? As últimas eleições foram há pouco mais de um ano. Fora uns anúncios, muitas nomeações e a utilização do excedente herdado para distribuir dinheiro no que se julgava ser (e foi) um ciclo curto, o que estava bem continuou bem (a economia), o que estava mal continuou mal ou piorou (o Serviço Nacional de Saúde e a habitação).

As eleições poderiam servir para desbloquear a governabilidade. O essencial da proposta do Orçamento de Estado passou, grande parte das medidas nem tem ido ao parlamento e o Presidente tem sido mais do que cooperante. Não é previsível que fique, ganhe Luís Montenegro ou Pedro Nuno Santos, menos bloqueada do que isto. Podemos fazer um debate sobre a situação internacional, que mudou radicalmente. Mas os dois principais candidatos têm muito a dizer sobre isso? E Portugal terá um papel relevante na resolução desses problemas?

Como escrevi na sexta-feira, Luís Montenegro reinventou-se, deixando para trás uma vida de confluência entre negócios e política. Mas manteve o rasto e parte dos rendimentos desse cruzamento. Na última campanha, as sondagens diziam que uma das suas vantagens comparativas era uma certa imagem de honestidade. Isso morreu. Montenegro terá de se reinventar outra vez. E não sei se tem tempo.

Apesar de ser esse o tema, duvido que Pedro Nuno Santos se concentre nele. Deixá-lo-á para Ventura, para segundas figuras do partido e para as notícias que forem saindo – como a de sexta-feira, que mostra que os anúncios de transparência de Montenegro são sempre inconsequentes. O líder do PS vai tentar deixar o primeiro-ministro sozinho na lama, não se envolvendo demasiado, porque essa guerra desgasta sempre. Mas é para a lama que será arrastado. Montenegro anunciou que este será um combate de caráter entre os dois. Claro que irão buscar histórias antigas de Pedro Nuno Santos, mesmo que não tenham valor comparativo ou que se fiquem pelo filho de homem rico. Se não é possível salvar a imagem de Montenegro, vende-se que o seu opositor não é melhor.

Não é porque a promiscuidade entre a política e os negócios seja um tema pouco sério (é determinante para muitas decisões) que os próximos dois meses serão feios. É porque o primeiro-ministro preferiu uma campanha onde se pode vitimizar a um escrutínio institucional com regras, onde contam os factos e os documentos que os comprovam. E com a sua escolha atirou o país para a lama. Ela será feia porque estas eleições não têm outro objeto.»


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