22.3.25

“Democrazy” e o fim do bem comum

 


«O que acontece quando a memória histórica se esbate e os mesmos erros do passado se repetem, envoltos em novas tecnologias e dinâmicas sociais? A ascensão da desinformação, o retrocesso dos direitos fundamentais e a substituição da justiça pela força são sintomas claros de um sistema democrático que se desfigura.

A indiferença face ao avanço de forças autoritárias pode transformar-se, mais cedo ou mais tarde, numa prisão colectiva. A desigualdade cresce, enquanto a liberdade torna-se um privilégio de poucos. O medo, a raiva e o ressentimento – emoções que moldam o comportamento humano desde sempre – são hoje amplificados por algoritmos, redes sociais e discursos de ódio que ecoam numa sociedade cada vez mais fragmentada e polarizada.

Orwell e Huxley anteviram dois futuros distópicos: um onde a repressão é brutal e declarada; outro onde o prazer anestesia a crítica. Hoje, vivemos uma síntese dos dois. A política da pós-verdade e do espetáculo, o consumo compulsivo de entretenimento e a insaciável busca de validação digital assemelham-se ao “soma” de Admirável Mundo Novo – um paliativo social que perpetua a apatia.

Entretanto, as democracias perdem terreno para regimes que não têm pudor em usar o medo e a violência como moeda de troca. O avanço da militarização e da retórica belicista reforça o velho princípio de Sun Tzu: a diplomacia só é eficaz quando sustentada pela força. No entanto, se a história ensina algo, é que o verdadeiro poder reside na construção de sociedades coesas, guiadas pela humildade, pela gratidão e pelo compromisso com o bem comum.

A falácia da meritocracia, repetida como um mantra neoliberal, justifica injustiças e desresponsabiliza Estados e elites. Mas uma sociedade saudável não se pode basear exclusivamente na competição desenfreada. Precisamos de resgatar a ética e a empatia, sem as quais a democracia se esgota, tornando-se uma caricatura de si mesma – uma “democrazy”, onde a liberdade não passa de um slogan vazio.

Para fortalecer a democracia e combater a “democrazy”, é fundamental investir na literacia mediática e no pensamento crítico desde os primeiros anos de educação, com vista à capacitação dos cidadãos para discernir a desinformação, compreender a complexidade dos problemas sociais e participar de forma mais informada e ética no debate público. Além disso, seria crucial promover espaços de diálogo inclusivos e plurais, que permitam a construção de um entendimento mútuo e o desenvolvimento de soluções coletivas para os desafios enfrentados.

O futuro ainda não está escrito. Mas, para que a democracia sobreviva, é urgente que nos recordemos: a história não perdoa os que se recusam a aprender com ela, mas oferece oportunidades àqueles que ousam inovar construindo pontes para um futuro comum mais justo.»


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