«A extrema-direita governa a Hungria e a Polónia. Tem posições relevantes na Suécia, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Holanda, Bélgica, França, Itália, Espanha e em todo o antigo bloco de leste. Nos Estados Unidos, com a vitória de Donald Trump, normalizou-se, servindo de exemplo global na sua forma de atuar. Nas Filipinas conseguiu montar um máquina de crime organizado em nome da segurança pública. Mas foi o Brasil que serviu, pela proximidade cultural e linguística, de modelo para a nova extrema-direita portuguesa. Em Portugal, posto o pé na porta do Parlamento, o seu crescimento é inevitável. Porque se integra num fenómeno global. Ainda mais quando, apesar das experiências de outros que podemos observar, a comunicação social e os outros partidos mostram não saber lidar com o fenómeno.
Perante este fenómeno, que pode mesmo destruir as democracias ocidentais, temos de compreender as razões do voto, agir sobre elas e traçar linhas vermelhas para os seus protagonistas.
As razões do voto são diferenciadas e complexas. Numa lista grosseira e superficial, identificaria um processo de globalização que, tendo coincidido com o desmantelamento de várias almofadas sociais, correspondeu à expulsão de milhões de cidadãos da promessa de prosperidade; a retirada de poder aos Estados Nacionais, que correspondeu a uma alienação democrática dos cidadãos; a crise financeira de 2008, que teve efeitos globais muitíssimo mais profundos do que conseguimos ainda compreender; uma distribuição entre trabalho e capital cada vez mais desigual, com um crescimento das desigualdades internas nos países desenvolvidos para próximo do período antes da segunda guerra mundial; o esmagamento das classes médias, sem as quais a extrema-direita historicamente nunca vinga; e uma crise dos mediadores, que tornou a manipulação muito mais fácil.
Agir sobre tudo isto é impossível. Mas a esquerda tem de se dirigir aos “deploráveis”, como lhes chamou Hillary Clinton num momento de honestidade sobre todas as suas próprias limitações políticas. Até porque, ao contrário do que pensam os que analisam esta extrema-direita apenas à luz do passado, ela tenderá a absorver o programa neoliberal de retirada de funções sociais do Estado, como se vê no programa de Paulo Guedes no Brasil e do Chega em Portugal. Estamos a falar de um novo tipo de extrema-direita, que integrara a agenda neoliberal da elite económica. Se a esquerda souber concentrar aí o seu foco pode derrotá-la.
Mas, mesmo compreendendo as origens deste voto e agindo sobre elas, a democracia não pode deixar de ser clara nos limites que impõe. O que passa por contrariar de forma resoluta a ideia que se instalou que nela cabem todo o tipo de organizações, propostas e discursos. Que a democracia é neutra e não tem o direito a defender-se dos que a querem destruir. Uma ideia que a extrema-direita aproveita para usar todas as garantias democráticas para fragilizar a própria democracia.
O Estado Democrático não deve hesitar em agir com firmeza sempre que estas organizações tentem subverter as instituições do Estado, usando-as como palco para campanhas de ódio. Deve ser implacável com todas as tentativas de infiltração nas forças de segurança, apetecíveis como instrumento de repressão sobre os sectores mais vulneráveis da sociedade. Agir sem complexos sempre que a extrema-direita use, de forma profissional e anónima, as redes sociais para espalhar a difamação sobre os seus adversários. E nunca ceder aos que querem impedir que a escola pública ensine valores fundamentais de liberdade, tolerância e respeito pelos direitos humanos, recusando qualquer ideia de que a escola do Estado democrático é um mero prolongamento da vontade de cada pai ou mãe, sem deveres para com valores fundamentais que os transcendem, inscritos na Constituição. Se os democratas cederem em tudo isto, já está derrotada.»
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