«NÃO. Há excedente orçamental sempre que as receitas do Estado superam as despesas (incluindo os encargos com a dívida). Podemos pensá-lo como lucro, mas dá-se o caso de o Estado não ser uma empresa. O seu objetivo não é a criação de valor acionista. Logo, os excedentes são sempre recursos não reinvestidos no país.
O excedente não deve ser, por isso, o objetivo. E o défice, deve? Também não. O equilíbrio está numa gestão sob critérios de justiça social que pondere a sustentabilidade das contas no longo prazo. A austeridade provou-nos que a cura errada agrava a doença, mas a sua lógica perdura em regras orçamentais europeias que representam um programa que está a esventrar o Estado social — e não só. Face à renúncia do Estado a reforçar a sua capacidade redistributiva e de proteção social, está aberta uma crise de representação que é o espaço das direitas mais perigosas. Há muita ideologia por detrás das “contas certas”.
Acresce que, tal como o mundo empresarial nos tem vindo a provar, a orientação para o lucro de curto prazo tem efeitos nefastos na economia. De igual forma, a gestão curto-prazista das contas públicas pode levar à subvalorização de outras opções — como a redução dos impostos sobre as famílias ou o investimento na qualificação económica — e a más decisões orçamentais. Adiar a compra de um comboio em nome de uma décima de excedente pode representar anos de despesa acrescida num aluguer. A degradação de equipamentos públicos torna mais cara a sua futura recuperação.
E porquê investir agora? Porque os juros estão historicamente baixos e necessitamos de capacidade produtiva e serviços públicos resilientes. Sob uma eventual nova crise, o excedente passará a défice em segundos e nenhuma reputação resistirá aos humores coléricos dos mercados. Só um investimento criterioso, feito agora, poderá proteger-nos então.
Mas “o superávite ajuda a baixar os juros”! Bom, isso desconsidera o papel do BCE e do crescimento económico na atual redução para taxas negativas (e sem excedente). “O excedente reduz a dívida!” Mas, no oceano da dívida, os 590 milhões que mudariam o SNS são uma gota — mais eficaz é aproveitar agora para substituir dívida cara por barata, trabalhando para que, no médio prazo, o país continue a crescer mais que a dívida.
O ideal teria sido não comprometer €3900 milhões no Novo Banco da Lone Star... Mas quem sou eu para falar de contas certas a quem tomou a notável decisão de deitar esse dinheiro à rua?»
Mariana Mortágua
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