«É um dos traços culturais do ecossistema político português mais irritantes e menos construtivos: a tentação de mudar tudo sempre que se inaugura um novo ciclo de poder. É assim com socialistas, é assim com sociais-democratas. A incapacidade de os maiores partidos se entenderem nas chamadas reformas estruturais tem não apenas fundamento nas naturais discordâncias programáticas ou estratégicas, mas também, e demasiadas vezes, em choques de personalidade. A muda B de determinado lugar porque não gosta dele; ou então A muda B de determinado lugar porque se sente ameaçado por ele. É natural que a alternância política reflita diferentes perspetivas de governação, o que não é natural é estarmos constantemente a fazer reset às políticas.
Veja-se o que aconteceu agora com o afastamento, por inércia, do diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Araújo, um médico independente que estava a empreender uma reforma difícil mas relativamente bem-sucedida. E que, ainda por cima, estava a fazê-lo com uma pouco habitual unanimidade entre os agentes do setor. Cedo se percebeu que o filme não ia acabar bem, depois de a ministra Ana Paula Martins ter exigido, por despacho, que a equipa de Araújo prestasse contas de tudo em 60 dias, incluindo sobre dossiês que não estavam na sua alçada. A relação entre ambos não era a ideal, sobretudo porque a ministra não é propriamente fã do modelo que o gestor definira para as unidades locais de saúde. Sem dizer sim ou não, Ana Paula Martins foi deixando Fernando Araújo em “lume brando”, forçando a sua demissão. Até ver, desconhece-se o que vai fazer o Governo com o trabalho deixado pela Direção Executiva do SNS, mas teme-se que entremos numa nova fase de refundação das bases do sistema de saúde, sem que daí advenham grande ganhos para o cidadão. O que, no caso em apreço, significa desfazer o que ainda não tinha sido feito.»
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