12.9.22

Costa & Marcelo, Saúde SA

 


«Muito antes de Marta Temido se ter demitido por causa de "um episódio de grande gravidade", mas que os responsáveis do Hospital de Santa Maria consideraram que o desfecho poderia ter sido igual se a grávida não tivesse sido transferida, já São Bento e Belém tinham decidido que a ministra estava a prazo. A verdade sobre a sua demissão está muito mais perto da perceção, partilhada pela própria ministra, de que "o sector da saúde a via mais como parte do problema do que da solução".

Por se tratar de um problema estrutural onde abundam soluções conjunturais, é natural que os titulares da pasta sejam apresentados como os primeiros responsáveis pelos falhanços e acabem sacrificados, como forma de nos convencer que o governo foi enganado. A substituição de uma ministra pode servir para pôr o conta-quilómetros a zero, mas a habilidade para vender carros velhos como se estivessem a sair da fábrica atinge nesta história um nível de profissionalismo político só ao alcance de António Costa.

Adalberto Campos Fernandes caiu num fim-de-semana, logo depois do Orçamento do Estado ter sido aprovado, e foi substituído por Marta Temido, crítica das relações do ministério com as Finanças. Os "críticos" levaram o ministro a queixar-se dos que o fazem "apenas para desestabilizar". Marta Temido é agora substituída por um dirigente do PS que ainda este ano acusava "o Ministério da Saúde de centralismo exacerbadíssimo" e criticava o fim das PPP na Saúde. Por mais palmadinhas nas costas que as televisões mostrem na hora de uns partirem e outros chegarem, substituir alguém por um dos seus críticos permite ao chefe do governo passar a ideia de que culpa nunca é dele, nem do governo que chefia, mas de quem recebeu guia de marcha.

Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa, é evidente que se cansou muito rapidamente de Temido, uma ministra que se afirmou à esquerda e que o obrigou a intervir na Lei de Bases da Saúde para permitir as PPP e que verá agora com bons olhos a chegada de um ministro que é favorável a essas parcerias e a uma descentralização efetiva na gestão do Serviço Nacional de Saúde. A cumplicidade entre o primeiro-ministro e o Presidente da República é evidente desde que apareceu este bloco central de palácios (expressão original do agora ministro Pedro Adão e Silva), mas talvez nunca tenha atingido uma comunhão de interesses tão flagrante.

Ouvir António Costa dizer que "quem quer mudança da política tem de fazer cair o governo" não nos pode levar a pensar que o primeiro-ministro está a dizer que a linha seguida na Saúde não vai ser alterada. A literalidade no discurso político é coisa rara e, portanto, é bem provável que Costa nos esteja a dizer que Temido caiu por ter feito perigar a política de Costa & Marcelo SA, no ramo da Saúde. Aliás, a primeira escolha do primeiro-ministro para esta área, Adalberto Campos Fernandes, dizia que havia quem no PS tivesse o fascínio de fazer do partido "um Bloco 2.0". Costa acha exatamente o mesmo e quer o PS na Saúde de regresso ao centro, onde conquistou a maioria absoluta como resultado de um braço-de-ferro orçamental, com PCP e Bloco, que tinha epicentro no SNS.

A firma vai de vento em popa e, por mais erros que cometa, continua a funcionar em monopólio quase absoluto. Estamos ainda muito longe de viver a política portuguesa sem Costa e Marcelo em perfeita simbiose. É por isso que os dois arranjam sempre forma de se encontrarem ao centro. Luís Montenegro não parece ser o líder da oposição para levar a firma à falência. Será o povo ou um cargo feito à medida em Bruxelas para o sócio fundador.»

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