«Das questões substanciais da entrevista que António Costa deu, na segunda-feira, à CNN, e da forma como honra a palavra que dá, tratarei no texto de amanhã, no semanário. Agora fico-me pela novela do aeroporto de Lisboa, que está em cena há meio século. Ficámos a saber que o primeiro-ministro se está a preparar para decidir a metodologia de decisão sobre a sua localização. Que as conversas com Luís Montenegro durarão, mais coisa menos coisa, um ano e meio. Que, 50 anos depois, Costa mostrou a firmeza que oferece ao processo de não decidir e voltou tudo à estaca zero. Ou antes dela, porque agora Santarém foi acrescentado ao naipe de escolhas. Vai ser mais um ano e meio de especulação com terrenos e pressões económicas múltiplas.
Mas há uma coisa que António Costa sabe: Pedro Nuno Santos não participa no processo de decisão mais relevante que o seu Ministério tem em mãos. Diria que é mesmo a única coisa que Costa tinha para dizer sobre o tema porque é mesmo a única coisa que lhe interessa no tema. Duvido que seja verdade, porque Costa nem sequer tem uma equipa política e técnica no seu gabinete para negociar a localização do aeroporto. Mas foi essa a ideia que quis passar.
Depois de lhe ser perguntado se Pedro Nuno Santos participa nas reuniões preparatórias, em vez de um evidente “sim”, já que é o ministro da tutela, Costa respondeu: “O ministro estará presente nos momentos em que tivermos que encerrar o acordo e sobretudo quando tivermos que executar o que for decidido.” Ou seja, o ministro das Infraestruturas saberá por Luís Montenegro onde será o aeroporto de Lisboa. Nem consigo imaginar a satisfação com que quadros socialistas terão visto um dos seus principais dirigentes e ministros menorizados desta forma perante o líder da oposição, quase obrigados a ir a despacho à Santana à Lapa.
António Costa quis fazer crer que o papel do ministro é executar, não é decidir ou participar na decisão. Como saberão, quem vai executar a obra não é o Governo, é a Vinci. O papel do ministro, de qualquer ministro, é mesmo tomar decisões. Mas o primeiro-ministro passa a ideia, numa visão reveladora da forma como gosta que os portugueses olhem para quem trabalha consigo, que os ministros executam, não participam nas decisões dos seus próprios ministérios.
António Costa sabe que Luís Montenegro não se podia estar mais nas tintas para a localização do aeroporto. Que, sendo evidente que o tema serve para novelas internas do Governo, fará tudo para arrastar o assunto. Sabe que o PSD já mudou de opinião vezes sem conta. Sabe que enquanto prolongar a decisão, vai mudar mais umas quantas. Que a palavra que o PSD tenha sobre a localização do aeroporto tem um prazo de validade semelhante à palavra do PS sobre a lei de atualização das pensões.
Nada disto interessa a Costa. Está obcecado com o homem que, em 2018, se atreveu a subir ao palco do congresso do PS e a sair de lá com uma ovação, obrigando-o a avisar que não tinha metido os papéis para a reforma. Talvez Pedro Nuno Santos tenha tido, como lhe acontece muitas vezes, demasiada pressa. Mas é evidente que ganhou um inimigo para a vida, porque Costa não suporta a sombra. Só aguenta “yes-men” e 2yes-girls”, afastando ou destruindo todos os que no Governo se atrevam a pensar que têm existência autónoma.
António Costa está de tal forma obcecado que parte da estrutura do Governo foi desenhada para barrar o futuro de Pedro Nuno Santos. A sua alternativa para o sucessor – porque Costa nem sequer aguenta a ideia de não ser ele a determinar quem lhe sucederá daqui a uns longínquos quatro anos – é o senhor ou a senhora Seja Quem For. E para anular aquele que, no PS, continua melhor colocado para a sucessão, não se importou de alimentar uma novela absurda e adiar uma decisão fundamental. E se a vida do PS é com o PS, isto diz-nos respeito: segundo a Confederação de Turismo, atirar o novo aeroporto de Lisboa para 2028 custará ao país sete mil milhões de euros e 25 mil empregos.
É miserável que um primeiro-ministro trate assim um ministro. Revela falta de sentido de Estado que razões estritamente internas ao seu partido determinem decisões fundamentais para o país e que fragilize um ministro que tem de lidar com interesses externos ao Estado. Neste tema, Costa comporta-se como um presidente de uma concelhia, não como um primeiro-ministro.
António Costa sabe que Pedro Nuno Santos tem uma boa parte do partido para a fase seguinte. Não o pode fazer cair, como fez com outros. Por isso, tenta destrui-lo dentro do Governo. Se Pedro Nuno Santos ainda deseja a liderança do Partido Socialista, este bullying coloca-o perante um dilema. Se, farto deste tipo de indignidade, sair do Governo, afasta-se de tudo o que consumirá o PS nos próximos quatro anos – o exercício do poder – e arrisca-se a perder o partido. Se decide ficar, corre o risco de António Costa matar a sua imagem e a sua dignidade. Tem quatro longos anos para o fazer.»
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