4.6.24

A viragem à direita na Europa

 


«Aproximam-se as eleições europeias e, no que se refere a política partidária, o destaque pré e pós-eleitoral irá recair com grande probabilidade na performance da direita radical. É expectável que os grupos europeus que habitam o espaço mais à direita do espectro político tenham um resultado coincidente com o ganho de poder que os vários partidos nacionais têm vindo a obter nos respetivos parlamentos dos Estados-membros.

Importa saber que existem diferentes grupos políticos europeus que, por sua vez, agregam diferentes partidos europeus (dos quais fazem os vários partidos nacionais de cada Estado-membro). Usando o exemplo do partido de direita radical português, o Chega faz parte do ID Party (Partido Identidade e Democracia) e o ID Party é membro do grupo europeu ID (Identidade e Democracia).

Existem dois grupos que agregam os principais partidos de direita radical europeus: o já referido ID, que inclui o Chega, os franceses da Rassemblement National (RN), os italianos da Lega, entre outros; e o ECR (Reformistas e Conservadores Europeus) que inclui partidos de direita radical como o Vox ou os Fratelli d'Italia, mas também partidos conservadores do espaço de centro-direita. A extrema-direita (que difere da direita radical pelas suas posições abertamente antidemocráticas, revolucionárias e elitistas) encontra-se, sobretudo, no partido europeu Alliance for Peace and Freedom – uma força política com pouca projeção e que não está inscrita em qualquer grupo.

Atualmente, é expectável que o Partido Popular Europeu (PPE) e o grupo dos Socialistas & Democratas continuem a ocupar as duas primeiras posições no parlamento. Mas é à direita do PPE que poderão surgir novidades transformadoras na política europeia. Há várias semanas, algumas sondagens indicavam que a votação conjunta do ID e ECR poderia ultrapassar a do PPE; atualmente, o cenário mais provável é o de que essa votação conjunta ocupe o segundo lugar à frente dos Socialistas & Democratas.

Mas fará sentido pensar em votação conjunta de duas forças cujos partidos membros nunca foram capazes de mostrar união? Existem alguns dados que sugerem um futuro em conjunto. Por um lado, os fatores de divisão entre este tipo de partidos estão cada vez mais mitigados, nomeadamente a questão do apoio à Rússia que era mais evidente no seio do ID, antes da invasão da Ucrânia. Por outro, o movimento crescente de "mainstreamização" da direita radical europeia parece uni-la na imposição de linhas vermelhas a posicionamentos mais extremos (como o da AfD) e na aproximação a soluções governativas com partidos do espaço de centro-direita como o PPE que, não por acaso, se mostra mais aberto à cooperação.

O sucesso de Meloni em Itália e na Europa tem atraído e inspirado tanto a cúpula do PPE – Ursula von der Leyen já entendeu que o peso eleitoral cada vez mais evidente à sua direita poderá ser-lhe útil na sua reeleição – como a cúpula do ID, considerando o caminho de moderação discursiva que Le Pen tem realizado ao longo dos anos com o objetivo último de vencer as presidenciais francesas de 2027.

Giorgia Meloni é o elemento-chave na união das direitas radicais e na sua aproximação ao PPE, mas há dois partidos de peso neste complexo este espaço político que podem complicar as contas e que, neste momento, não são membros de nenhum partido europeu: o Fidesz de Orbán, que mantém posições controversas relativamente à Rússia; e os alemães da AfD, o patinho feio da direita radical europeia, recentemente expulso do ID, que nos últimos tempos soma posições mais condizentes com o espaço ideológico da extrema-direita do que da direita radical.

No momento em que este artigo é escrito, existem negociações entre Le Pen e Meloni para formar um único bloco político. Independentemente do sucesso desta iniciativa, a Europa continuará a sua viragem à direita e é expectável que as próximas eleições europeias resultem em mais políticas de restrição à imigração e controlo fronteiriço, no enfraquecimento do Green Deal e, possivelmente, em menos consensos na gestão da política externa.

Entretanto, os desafios que a Europa enfrenta mantêm-se ou agravam-se. A UE é hoje um espaço político e económico que evidencia sinais preocupantes: não tem grandes empresas tecnológicas de referência (como os EUA ou a China), está dependente energeticamente de terceiros (nomeadamente da Rússia), não têm a capacidade de atrair cérebros para as suas universidades (como os EUA ou o Reino Unido) e precisa de, rapidamente, tornar-se autónoma na área da segurança e defesa – um tema crucial e interconectado com a Guerra na Ucrânia, o resultado das próximas eleições norte-americanas e o futuro alargamento da UE.»


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