«Uma das maiores liberdades pessoais é a de não precisar de ser amado. Obviamente, todos queremos ser amados pelos nossos amigos e pela nossa família. O problema é o desejo insaciável de ser amado por toda a gente.
A descida da popularidade do Presidente da República é particularmente dolorosa para quem, como Marcelo, deseja ser profundamente amado pelo povo e foi nesse amor que construiu a base da sua presidência – a chamada “política dos afectos”, que, por estes dias, está em baixa.
Não tão baixa como a popularidade de Cavaco Silva, que liquidou a sua relação com os portugueses em 2012, quando fez as famosas declarações sobre a reforma não lhe chegar para as despesas. Para quem não se lembra, Cavaco disse isto: “Tudo somado, o que irei receber do Fundo de Pensões do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Aposentações quase de certeza não vai chegar para pagar as minhas despesas, porque como sabe também não recebo vencimento como Presidente da República.” Foi surreal. De resto, Cavaco não recebia ordenado de Presidente porque era inferior aos dez mil euros que recebia em pensões – e escolheu ganhar mais.
Com Portugal a cumprir o programa da troika, cortes salariais na função pública e em muitas empresas privadas, a taxa de desemprego a subir para os 16% (em Abril passado estava em 6,3%), as palavras de Cavaco Silva provocaram um choque em cadeia que nenhuma das mais desastradas intervenções de Marcelo, até agora, provocou.
Ninguém ouvirá Marcelo a reproduzir declarações iguais às de Cavaco, até porque, como explica Ângela Silva numa excelente reportagem no Expresso (já aqui citada por João Miguel Tavares), Marcelo tem uma vida frugal e vive numa casa arrendada.
Talvez a vida dos presidentes da República seja sempre difícil à medida que o tempo passa. Jorge Sampaio perdeu muitas das graças que sempre teve junto do PS (e do resto da esquerda) por ter dado posse a Pedro Santana Lopes em 2004, contra a opinião de quase todos os seus conselheiros políticos.
A Marcelo caiu em cima o caso das gémeas, que começou por ignorar e até a dizer que não sabia de nada. A questão continuou com a conferência de imprensa sobre os mails trocados com o “Dr. Nuno, seu filho” e terminou naquela conversa apoteótica com a imprensa estrangeira, em que “o Dr. Nuno seu filho” acabou praticamente deserdado.
As contradições em Marcelo Rebelo de Sousa não são novidade. Foi sempre assim. É por isso que, num dia, diz que não comenta algo porque estamos em período eleitoral e, depois, desata a pressionar o PS a aprovar o Orçamento do Governo a uma semana e meia das eleições para o Parlamento Europeu.
Isto é o que se chama entrar a pés juntos na campanha. É que, com alguma probabilidade, o resultado das eleições europeias vai contar para a reflexão sobre qual será o sentido de voto do PS.
Já a desculpar-se das intervenções sobre a pressão junto do PS, lembrou que Jorge Sampaio também o pressionava a ele e António Guterres, no fim dos anos 1990, para chegarem a um entendimento. “Tinha muita paciência”, disse Marcelo.
Um dos problemas de Marcelo é não ter a paciência de Jorge Sampaio. Em 2021, Marcelo anunciou – mal o PCP decidiu não aprovar o Orçamento do Governo de Costa – que dissolvia a Assembleia da República. Foi uma ameaça que não teve efeitos junto do PCP e do Bloco de Esquerda e que acabou por dar a maioria absoluta ao PS. Depois de o PS conquistar a maioria, desatou a ameaçar com uma hipotética dissolução, que se consumou com a demissão de António Costa em Novembro. O grande defensor da estabilidade política “conseguiu” uma solução de extrema instabilidade. Marcelo, o dissolvente, ainda poderá dissolver mais uma vez. Não é nada claro que o PSD não deseje eleições a curto prazo, como diz Francisco Assis nesta entrevista, e o Governo demonstra todos os dias com a vitimização constante por causa da aprovação das medidas do PS.
Marcelo já tem pouco tempo para não acabar o mandato como Cavaco Silva. É impressionante que o mais brilhante analista político da nação não se consiga analisar a ser próprio. Parafraseando o verso de Camões, “cansou-se o amador da cousa amada”.»
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