«Zohran Kwame Mamdani. É o nome do favorito à presidência da cidade com mais judeus em todo o mundo, fora de Israel. O muçulmano pró-palestiniano, ugandês de origem indiana, que chegou ao país e à cidade com sete anos e tem 33, desconhecido de todos há quatro meses, quando tinha 1% nas sondagens para as primárias democratas, é a estrela inesperada, depois de ter vencido Andrew Cuomo, ex-governador do estado. Conotado com Cortez e Sanders, Mamdani passou as semanas seguintes às presidenciais a visitar os bairros onde Trump teve o melhor resultado de um republicano em décadas. Numa cidade onde 70% dos eleitores são democratas, ouviu sempre o mesmo: Trump fala do custo de vida e das dificuldades dos trabalhadores. A resposta de Mamdani foi uma campanha com foco, centrada no controlo do preço da habitação, em autocarros gratuitos, cuidados de saúde, creches para todos e mercearias municipais em cada bairro a proposta mais ridicularizada (até por cá). Estas lojas que compram alimentos por grosso e estão isentas de IMI existem no Kansas ou no Wisconsin e vão ser lançadas em Chicago e em Atlanta. Para financiar estas medidas promete, ao mesmo tempo que Trump anuncia baixar os impostos aos ricos cortando programas públicos de saúde para os mais velhos e mais pobres, criar uma taxa adicional sobre os fundos e sobre os cidadãos mais ricos da cidade mais rica do país mais rico do mundo. O Presidente chamou-lhe “lunático 100% comunista”, mas há analistas republicanos preocupados com um democrata que fala do custo de vida.
O tom otimista e cheio de esperança e humor num espaço público zangado, de inclusão quando a exclusão marca os nossos dias, conquistou as redes sociais. Mais do que a estética e a forma humana e desconcertante de fazer campanha, o sucesso de Mamdani resulta da capacidade de nunca sair da sua agenda, mesmo quando os outros se concentram na criminalidade ou na imigração. E de tentar reconectar os democratas, embevecidos com o sucesso de uma economia com níveis de desigualdade semelhantes aos que conduziram à crise de 1929, com a sua tradicional base eleitoral. Numa reportagem no “NYT” para perceber o voto em Zohran, uma das entrevistadas conta como, trabalhando numa corretora em Wall Street, não consegue comprar uma casa como a que o seu pai comprou com o salário de motorista. É verdade que são eleições locais. Mas isso também é um dado interessante. No Texas, bastião republicano, os democratas governam as quatro grandes cidades. De Londres a Paris, de Barcelona a Berlim, a esquerda europeia resiste na política local. O eleitorado parece acreditar em soluções progressistas na escala onde sente que ainda há alternativas.
Numas primárias em que votaram quase um milhão de pessoas, Mamdani venceu Cuomo, acusado de escândalos sexuais, e deverá defrontar Eric Adams, o atual presidente, um democrata acusado de corrupção que se passou para o lado de Trump em troca da queda das acusações. Assim está o campo democrata, cuja cúpula financeira investiu dezenas de milhões em anúncios contra Mamdani, usando as suas críticas a Israel, mas pensando no seu programa fiscal e so¬cial. Cinco meses passados da tomada de posse de Trump, a liderança democrata continua sem saber como reagir. Entre o silêncio e a omissão, a maioria do partido parece resignada e à deriva. A exceção é a ala de Mamdani, Sanders e Cortez, que junta centenas de milhares de pessoas pelo país fora. Os democratas norte-americanos e a esquerda europeia têm de decidir se continuam a responder à agenda do ódio ou se têm a sua própria agenda, em torno da desigualdade na distribuição de rendimentos e na incapacidade de as classes médias viverem nas suas cidades. Só que isso exige coragem perante o poder do dinheiro, que encontrará em mínimos de decência sinais de lunática radicalidade.
Scott Rechler, um dos maiores proprietários de Nova Iorque e financiador de Cuomo, explicou o que está em causa: “Queremos ter uma liderança que fale do que é Nova Iorque. É a capital do capitalismo.” A elite democrata, dominada pelos grandes proprietários imobiliários, prepara a reação: pode arranjar um terceiro candidato (talvez o derrotado Cuomo) e irá angariar 100 milhões de dólares para uma campanha esmagadora. Bill Ackman, um bilionário dos fundos especulativos apoiante de Trump, que doou 500 mil dólares a Cuomo, pode acabar por apoiar Eric Adams. Esta é uma das mensagens de Zohran Mamdani: um candidato dos cidadãos enfrenta os candidatos do dinheiro que compra a democracia na cidade. Imagine-se o poder simbólico de este confronto acontecer no centro do mundo.»
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