«Quando se soube que José Sócrates ia apresentar queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, fui tomado por inúmeras emoções. Nem sabia que tinha tantas. Ao longo da vida, pensava não ter experimentado mais do que duas ou três, e quase todas no Estádio da Luz. Mas agora José Sócrates processa judicialmente o Estado português e eu sinto-me irremediavelmente dividido. Quem nunca teve vontade de processar Portugal? De ser indemnizado pelas várias, digamos, portugalices que nos são infligidas todos os dias? Por outro lado, também desejo que o Estado português processe José Sócrates. Que é o que está a acontecer há 14 anos. Mas o facto de ao fim de 14 anos ainda não ter havido uma conclusão volta a fazer com que me apeteça processar o Estado português. O problema é que o Estado português sou eu. Ou também sou eu. Se o Estado português tiver de indemnizar José Sócrates, eu também pago a José Sócrates. Por outro lado, José Sócrates também paga a José Sócrates, o que é refrescante. Já era altura de José Sócrates pagar alguma coisa, em vez de sobrecarregar sempre o amigo.
Não sei se me faço entender quanto à intrincada complexidade do caso. Devo dizer, aliás, que o Processo Marquês dura há 14 anos, mas eu deixei de o compreender há 12. José Sócrates ainda não foi julgado nem condenado. No entanto, já cumpriu um ano de prisão. Entretanto, queixa-se da demora do processo. No entanto, vai contribuindo como pode para a demora do processo. Já agora em que consiste o processo? Primeiro, um tribunal acusou Sócrates de ter um testa-de-ferro. O dinheiro da corrupção ia parar à conta do amigo de Sócrates, que depois lho entregava, visto que o dinheiro era efectivamente do antigo primeiro-ministro. Mas depois apareceu outro juiz que viu no testa-de-ferro o corruptor. Era o corruptor mais banana da história da corrupção, porque o corrompido tinha a desfaçatez de lhe exigir o dinheiro em termos bastante agrestes. Mas a seguir houve nova decisão, indicando que afinal o testa-de-ferro, que tinha passado a ser corruptor, voltava a ser despromovido à condição de testa-de-ferro. Creio que, no momento em que escrevo, ainda é esta a acusação que vigora. E de repente, com o campeão nacional ainda por apurar, José Sócrates quer ir jogar as competições europeias, e processa o Estado português em Bruxelas. O mínimo que devemos a estes juízes internacionais é que alguém lá vá explicar-lhes o que se passa aqui. Mas muito devagarinho. 14 anos talvez não seja tempo suficiente.»
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