23.5.15

Governabilidade e democracia




Manuel Loff, no Público de hoje:

«Por cá, como o sistema eleitoral é – até ver! – proporcional, os lamentos pelos riscos da “ingovernabilidade” já começaram há muito tempo. É verdade que os resultados são sempre distorcidos pelo método de Hondt (quanto menos deputados por distrito, mais os dois maiores partidos são favorecidos por serem os únicos a conseguirem eleger), mas até Rui Ramos tem razão quando diz que “o nosso sistema eleitoral, ao contrário do inglês, não faz maiorias absolutas a partir de um terço dos votos. (...) Pois bem, imaginemos: se a direita tiver um terço dos votos, deve, por acaso, governar? É legítimo governar-se contra a vontade da maioria sem se dar prioridade à vontade da maioria? Mesmo que o PS não queira ponderar negociar com os 20% de votos à sua esquerda, deve Passos voltar a governar? Hoje, governa com os votos (de há quatro anos) de 50,4% dos votantes, que, já então, não eram mais do que 29% dos eleitores inscritos. Quer esperar governar com o apoio de quantos: 20%? Só porque ficaria à frente do segundo partido? E os votos dos outros, lixo? Mas, afinal, o que são as eleições? A liga de futebol? A Eurovisão? Winner takes all?...

Quanto mais o bipartidarismo entrar em crise, quanto mais os socialistas de turno se parecerem às direitas, mais eles vão querer obrigar os cidadãos a escolher entre cinzento-escuro e cinzento-claro, entre um sr. Juncker, à direita, que diz que há que privatizar e um sr. Dijsselbloem, socialista, que diz que privatizar é o que há que fazer, entre uma CDU de Merkel e um SPD que, depois de garantirem em campanha que são alternativa um ao outro, acabam a governar juntos. Quanto mais assim for, mais gente desistirá de votar e mais se nos vai querer impor a discussão patética sobre sistemas eleitorais que, em vez de garantir a representatividade democrática, devem garantir a “estabilidade governativa”. E suceder-se-ão as propostas alucinadas de engenharia eleitoral. Quanto mais os maiores partidos forem obrigados a considerar as opiniões de quem, mesmo não ganhando eleições, representa uma parte importante da sociedade, mais eles vão dizer que as coligações não funcionam, que há que blindar as vitórias com “prémios de maioria” (à grega ou à italiana), barreiras de entrada no Parlamento contra os pequenos partidos (à alemã) ou métodos maioritários que reduzem a pó a representação das minorias e inflacionam artificialmente a representação dos grandes(-cada-vez-mais-pequenos) partidos. Um sistema que convida cada cidadão a votar – mas, depois, a ter de tolerar governos apoiados por minorias cada vez mais pequenas com maiorias parlamentares absurdamente fora da realidade.

É representativo um sistema desta natureza? E é democrático?» 
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