17.11.15

O coração nas trevas



«As últimas palavras do coronel Kurtz em "Apocalipse Now" são retiradas de "O Coração das Trevas" de Joseph Conrad. São proféticas: "O horror! O horror!" Conrad sempre nos explicou esses dias amorais. Nada mudou.

Só que agora as notícias caem em cima das nossas cabeças, segundos depois e ao vivo. Choramos Paris, mas 250 mil mortos na Síria, um atentado em Beirute com dezenas de mortos, e 2.000 assassinatos pelo Boko Haram na Nigéria são notas de rodapé. O nosso coração está empedernido, nas trevas, para algo mais longe do que o nosso pequeno mundo. E, no fundo, o Estado Islâmico vem-nos lembrar que a globalização não é só financeira, nem económica ou cultural. E que a política francesa (e americana) no Médio Oriente é um desastre.

Os atentados de Paris são a outra face da moeda dos refugiados que batem todos os dias à porta da Europa. O problema é que o caos semeado pela invasão do Iraque nunca mais foi travado. Relembre-se: quando Palmyra foi atacada pelo EI, a aviação americana não ajudou à sua defesa, porque esta era feita pelas tropas de al-Assad. Depois chorámos com as barbaridades culturais do EI. E continuamos a não entender a sua dimensão da táctica: terrorismo urbano, guerrilha nos meios de comunicação, economia de guerra. Onde o que interessa é disseminar o medo.

Enquanto existir, por culpa da miopia das grandes potências, o EI vai continuar a utilizar operações suicidas, cada vez mais pérfidas. E vai conseguir radicalizar a sociedade ocidental, libertando os seus fantasmas. Só destruindo o EI será possível alguma respiração. Mas, até lá, o nosso coração anda perdido nas trevas. Será possível ele reencontrar o caminho da verdade?»

Fernando Sobral

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