«E chegámos ao fim do ano parlamentar, com o inevitável debate do Estado da Nação. Foi longo e razoavelmente chato.
Dantes, dizia-se que Costa punha vacas a voar. Agora, pode dizer-se que consegue pôr a dormir toda uma quinta e ganhar um debate no meio de uma crise institucional, 15 dias depois da demissão do secretário de Estado da Defesa acusado de corrupção, meses depois do recurso ao SIS para recuperar um computador de um adjunto, com os professores na rua, o SNS atulhado de problemas e a habitação como um problema que parece inultrapassável, apesar de ter sido esta semana aprovado o pacote Mais Habitação.
Luís Montenegro diz que António Costa tem um "desplante político grande". Talvez, mas além de desplante tem números, nomeadamente na economia, para apresentar.
E se António Costa já apareceu em alguns destes debates atordoado, em momentos mais difíceis, a verdade é que o Estado da Nação desta quinta-feira lhe correu bem. Manteve o controlo de todo o debate, fugindo a muitas perguntas da oposição, e acabou por ganhar. Como disse Luís Montenegro em outra circunstância, a 15 de Dezembro passado, de facto Costa é um "totalista". Na verdade, tendo em conta a situação do país, o Governo conseguir ganhar um debate parlamentar é o equivalente a um 13 no Totobola. Mas Costa, já se sabe, nasceu com uma sorte na vida política como ninguém antes dele.
É uma óbvia ajuda para o PS o facto de a bancada do PSD não ser especialmente dotada para o métier. O líder parlamentar social-democrata, Joaquim Miranda Sarmento, não tem killer instinct e, mais uma vez, demonstrou-o. O líder do PSD não sai do sítio. As pessoas não ouvem – tal como já não ouviam Rui Rio – as propostas alternativas que o PSD apresenta.
O debate foi, de certo modo, um espelho da sondagem da Universidade Católica para o PÚBLICO, RTP e Antena 1. O PSD não descola, ainda que o PS tenha perdido num ano seis pontos (tinha 38% em Julho do ano passado). Não descola no país, não descola no Parlamento, apesar da quantidade de escândalos que o Governo tem acumulado desde que tomou posse.
É possível que as pessoas se estejam realmente nas tintas para a corrupção, para a dignidade das instituições no "caso Galamba", para actuações inacreditáveis como a de José Luís Carneiro (agora o ministro mais popular do Governo e que encerrou o debate), que fez queixa à administração da RTP por causa de um cartoon. É o que António Costa pensa e já o disse. Como ele teve uma maioria absoluta e nós não, é provável que conheça um bocadinho melhor os portugueses.
Mariana Mortágua, a líder do Bloco de Esquerda, perguntou a Costa "como vai evitar a dança no Governo associada a problemas de corrupção". Costa aproveitou, neste campo, para se juntar ao discurso do Presidente da República e voltar ao mantra "à justiça o que é da justiça", que tinha interrompido – na sequência do caso Rui Rio – para criticar "os julgamentos de tabacaria". "Vivemos num país em que ninguém está acima da lei e temos um Ministério Público que goza de autonomia, um sistema judicial independente", disse António Costa, pedindo "respeito pelo Estado de Direito".
Enfim, esta sexta-feira há Conselho de Estado e Costa fez os possíveis e os impossíveis para, de véspera, adormecer os conselheiros. Vamos ver no que dá.»
Ana Sá Lopes
Newsletter do Público, 20.07.2023
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