19.11.25

O que não é uma negociação, o que uma greve não é

 


«Sem que ninguém, a não ser a ministra e a libertária IL, se empenhe na defesa da inacreditável contrarreforma laboral (já tratei do conteúdo aqui, aqui e aqui), tenho ouvido dois argumentos contra a greve geral: que é extemporânea quando há um processo de negociação e que não será mais do que um dia simbólico. Apesar dos dois se anularam (se não serve para nada é sempre extemporânea), obrigam à clarificação de algumas confusões recorrentes. Clarificações que podem ser feitas pela negativa: o que uma negociação e uma greve não são.

A negociação, para ser uma aproximação de posições, depende de um ponto de partida em que o equilíbrio final seja possível. Uma proposta que só contempla derrotas para um dos interessados, e em que o meio termo está algures entre a perda de muitos direitos ou de alguns direitos, não é uma negociação. Um governo que, numa lei laboral, faz uma proposta que só agrada aos patrões não é governo do país, é governo dos patrões.

A CIP (a quem o governo até cedeu um edifício do Estado), veio em socorro da contrarreforma que encomendou, apresentando um conjunto de propostas absurdas, mas que permitem ao governo apresentar o inaceitável comoequilibrado. Neste processo público, que só começou depois da marcação da greve geral (há meses que a ministra do Trabalho adia reuniões e não responde aos parceiros), o máximo a que a ministra parece estar disponível é deixar cair algumas propostas, quase todas numa aproximação às posições do Chega, o que nos diz com quem realmente pretende negociar. Isso também não é concertação social.

Para se perceber como esta proposta é uma encomenda, basta dizer que a EDP, de que o atual secretário de Estado do Trabalho foi o principal representante nas relações laborais (este ministério tornou-se num prolongamento direto dos patrões), bloqueou a negociação da contratação coletiva na expetativa da nova lei laboral (talvez volte ao tema noutro texto).

Uma negociação não pode começar com uma das partes a esclarecer que os elementos centrais da sua proposta (as “traves-mestras”, nas palavras da ministra), inaceitáveis para os sindicatos, são inegociáveis. Quem só quer negociar pormenores não está de boa-fé. Se o governo quer fazer uma reforma laboral com os sindicatos, tem de ter um ponto de partida aceitável para os sindicatos. Se decide não ter, não finge que está a negociar e vive com as consequências da escolha de enfrentamento.

Quem quer negociar não informa que ou a UGT se compromete, à partida, a chegar a acordo, ou o governo leva o anteprojeto para o Parlamento, como está. Isto é chantagem.

Numa negociação, uma proposta não pode favorecer apenas um lado e ter fechado o que é essencial, esperando que o ponto de chegada apenas difira do ponto de partida na dimensão da derrota do outro lado. A negociação só pode ser frutuosa se representar vitórias mútuas e tiver um ponto de partida realmente negociável para um ponto de chegada que não está fechado.

Falta esclarecer o que uma greve não deve ser: um protesto depois da derrota. É uma forma de pressão negocial que deve acontecer quando há um bloqueio ou um impasse, não quando o lado contrário deu o processo por terminado. Neste caso, faz-se para vencer a intransigência de quem apresentou uma proposta desequilibrada e fechada no que é essencial, em que os trabalhadores só podem desejar menos recuos e o outro lado sai sempre beneficiado. O governo tem o poder político, os patrões o poder económico, os trabalhadores o poder da greve.

Esta greve é a pedagogia da luta e da negociação. Ela faz-se porque a ministra se mostrou indisponível para negociar o que é realmente importante, começando o processo num tal ponto de desequilíbrio, que a aproximação de posições só se poderia dar com uma derrota dos trabalhadores.

Se houvesse alguma dúvida quanto à utilidade da greve geral, a sua marcação já rompeu o conveniente silêncio em torno de uma mudança legislativa tão profunda. Tornou-se mais difícil passar da chantagem para o ultimato e do ultimato para a aprovação sem acordo, tudo longe dos olhos dos trabalhadores. As cedências do governo não são relevantes, porque o problema está nas “traves-mestras” em que não quer tocar. Mas mostram que a greve, mesmo antes de acontecer, é eficaz. Quem nega a utilidade da greve só se sentiu obrigado a falar desta contrarreforma porque a greve foi marcada.

A intervenção do primeiro-ministro deveria ter acontecido mais cedo, para impedir um anteprojeto, em que a ministra se empenha por desejar um pacote com o seu nome e ao serviço da sua clientela, que não pode ser um começo de conversa possível. A solução é começar do zero. Se o governo acha que os novos tempos, por causa da inteligência artificial e outros desafios, exigem novas leis, senta-se com patrões e sindicatos para arbitrar uma negociação e tentar encontrar um ponto de equilíbrio entre a proteção de quem trabalha e os interesses das empresas. Se quer impor uma perda unilateral de direitos em nome do projeto radical, não pode julgar que isso se fará sem a resistência de quem é prejudicado. Assim é em democracia.»


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