«O pacote laboral, que não foi a votos (mas ficámos a saber que a AD faz programas eleitorais convencida de que ninguém os vai ler, como disse o ex-deputado Duarte Pacheco), não foi simplesmente negociado na concertação social.
Só depois de a UGT ter ameaçado aprovar a adesão à greve geral que a CGTP já tinha anunciado, a ministra do Trabalho enviou à última hora umas contrapropostas para tentar “épater les bourgeois”. Não é forma de tratar com os sindicatos.
As declarações do primeiro-ministro e da ministra do Trabalho no início deste processo mostraram que há uma vontade expressa de “partir a cabeça aos sindicatos”, incluindo aqueles onde estão filiados militantes do PSD. A frase com que Montenegro reagiu à convocação da greve geral é de antologia.
O nosso primeiro-ministro não consegue “vislumbrar outra razão para a posição das centrais sindicais que não seja olhar para interesses que não deviam ser os prevalecentes, que é o interesse dos partidos que estão ligados à gestão das duas centrais sindicais”, que são “o Partido Comunista que quer mostrar a sua existência através da sua rede sindical na CGTP” e “o Partido Socialista que também quererá mostrar a sua existência política de oposição, aproveitando alguma preponderância que tem na UGT”.
É extraordinário como o líder do PSD, num ápice, praticamente extingue aquela organização que se chama Trabalhadores Social-Democratas, a organização de trabalhadores do PSD. A presidente da UGT é da comissão política do PSD. Chama-se Lucinda Dâmaso e acumula o cargo de presidente da UGT com o de vice-presidente do PSD. Como o seu mandato acaba em 2026 (tal como o do secretário-geral da UGT Mário Mourão), é possível que Lucinda Dâmaso se veja obrigada a escolher: é que estar na direcção do PSD com um primeiro-ministro que trata a central sindical de que é presidente desta forma é capaz de se tornar um bocadinho incómodo.
A ameaça do secretário-geral da UGT de propor dois dias de greve geral em vez de um, a concretizar-se, seria inédita. À Antena 1 e ao Jornal de Negócios, Mário Mourão diz que “a UGT foi encostada à parede”, porque percebeu que o Governo “se preparava para levar o anteprojecto laboral ao Parlamento sem alterações”. A prova de que o secretário-geral da UGT está a falar verdade é o papelinho da ministra que apareceu à última hora.
A perda de direitos dos trabalhadores que está no pacote laboral e a tentativa de humilhação dos sindicatos é de quem não percebe que as pessoas visadas pelas novas leis fazem também parte do seu eleitorado. À partida, o Chega não acha que façam e já se disse disposto a aprovar com o Governo as novas leis do trabalho.
É difícil a quem é proprietário de não sei quantas casas (aquelas que Montenegro não quis que se soubesse quais são, mais um sinal da falta de transparência da sua vida patrimonial) perceber como é a vida de quem tem salários baixos/médios e paga renda de casa.
Um dos problemas graves com que Portugal se confronta é que o nível de vida dos seus governantes está muitos cifrões acima da vida dos governados. Não conseguem perceber. Um governante gasta num jantar uma conta de supermercado de uma família média. É capaz de ser pedir muito que o Governo perceba como vivem as pessoas com quem não convive.
Nestas alturas, lembro-me sempre de um dos responsáveis pela revolução trabalhista no Reino Unido a partir de 1945, Ernest Bevin. Bevin era órfão, estudou pouco, começou a trabalhar aos 10 anos e muito cedo criou uma central sindical poderosa (Transport and General Workers, TGW). Número dois de Clement Attlee, Bevin até era anticomunista e foi um grande entusiasta da fundação da NATO e da produção da bomba atómica pela Grã-Bretanha.
Mas era um trabalhista porque conhecia na pele a vida difícil dos trabalhadores e dos pobres. Não desejo que os meus governantes tenham poucos estudos (ou escrevam mal a língua materna, como acontecia com Bevin), mas era uma vitória se pelo menos tivessem noção do que é a vida do português médio. Não têm.
P.S. Estava a pensar que título dar a este texto quando vi Cotrim Figueiredo anunciar que é o convidado deste domingo do “Isto é Gozar com quem Trabalha”. Cotrim, apoiante do pacote laboral, usou o seu mantra “Imagina” para fazer o anúncio: “Imagina um país que não goza com quem trabalha.” Era bom, era.»

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