19.12.21

Brincar com o fogo

 


«Há cerca de um mês, a NBC transmitiu uma reportagem sobre o sucesso da vacinação em Portugal. Quando entrevistada para essa reportagem, e depois de mostrar o meu orgulho no comportamento que a população portuguesa tem tido em relação à vacinação, não pude deixar de referir que ainda não era tempo de celebrar. E porquê? Porque nenhum país deve acreditar que está seguro quando grande parte do mundo está muito longe de ter uma proporção considerável da população vacinada; a vacinação de muitas pessoas em apenas um pequeno número de países continuará a permitir a circulação do vírus noutras regiões do planeta, proporcionando oportunidades para o aparecimento de novas variantes potencialmente preocupantes.

Infelizmente, dias depois dessa mesma reportagem, os noticiários e jornais de todo o mundo abriram com a notícia de uma nova variante. A descoberta da Ómicron, uma variante do SARS-CoV-2 altamente mutada, com o potencial de ser mais transmissível que as anteriores, criou de imediato incerteza e perturbação. A reação dos líderes mundiais, especialmente os de países de alto rendimento, não se fez esperar, mas não assumiu os contornos mais desejáveis. Como que em modo de pânico, as restrições a viagens de certos locais foram rapidamente impostas, embora algumas destas medidas tenham eficácia questionável quando a transmissão do vírus é alta. E claro, começou de imediato uma nova corrida às vacinas, a ser ganha uma vez mais pelos países que já têm uma grande parte da população vacinada.

A cada dia que passa a ciência vai-nos dando a conhecer um pouco mais da variante Ómicron. Trará ela ou não uma mudança na pandemia? Será ela capaz de iludir as vacinas e tratamentos disponíveis? Temos que dar tempo à ciência e aos cientistas para obter as respostas a estas e outras questões. Mas os primeiros dados até agora conhecidos — muitos mais surgirão nas próximas semanas — parecem mostrar alguma esperança de que provavelmente as vacinas atuais continuarão a proteger-nos contra doença grave e morte, se estivermos totalmente vacinados. Se assim for, que alívio! Mas até quando? A verdade é que quanto mais tempo este vírus continuar a espalhar-se em populações não vacinadas, maior é a probabilidade de surgir uma variante que pode superar as vacinas existentes. E aí voltaremos à estaca zero!

A falta de liderança mundial dirigida para as necessárias ações concretas de combate à pandemia a nível global está a prolongar esta de forma inaceitável para todos. Os discursos não faltam, alguns maravilhosos, com palavras que parecem cheias de significado. Mas as ações não acompanham, nem de longe nem de perto, as palavras. A Covax (Covid-19 Vaccines Global Access) foi estabelecida por diversos países doadores, fundações filantrópicas e a OMS com um plano para que o mundo fosse vacinado passo a passo, começando pelas populações mais vulneráveis. Mas isso nunca aconteceu! É muito frustrante, e até mesmo vexante, que, quase dois anos depois, os Governos ainda não tenham acordado e percebido que têm que delinear um plano pragmático global para o qual todos contribuem. E não têm de o fazer apenas porque é o “moralmente correto”, mas também porque é do interesse de todos, eles próprios incluídos. Criar uma rede de distribuição e a logística necessária, para vacinar todos em todo o lado, não será com certeza simples mas também não é física quântica. Requer apenas vontade e determinação.

Olhar para o nosso umbigo apenas perpetuará a pandemia — viveremos num ciclo contínuo de ondas, novas variantes, medo e pânico, vidas perdidas, destruição das mais diversas economias e, acima de tudo, criação de um peso brutal para as gerações futuras. Será que queremos viver com a vergonha de não termos querido impedir que assim seja?»

.

0 comments: