23.12.21

A pergunta

 


«Com o fim abrupto da ‘geringonça’, estas eleições seriam necessariamente marcadas por uma pergunta: na mais que provável ausência de maioria de um só partido, qual seria a estratégia de coligações dos partidos que de facto apresentam candidatos a primeiro-ministro?

Como sempre acontece, esta pergunta tem um contexto. É frequente dizer-se que a ‘geringonça’ correspondeu a uma mudança paradigmática na política portuguesa. Verdade, na medida em que em 2015, pela primeira vez, o Governo não foi formado pelo partido ou pela coligação pré-eleitoral mais votada, mas, sim, pelo maior partido do bloco político maioritário. Com um sistema eleitoral proporcional e um Parlamento mais fragmentado, era inevitável que se concretizasse esta mudança.

Aliás, nem sequer foi à esquerda que, pela primeira vez, a possibilidade foi enunciada em contexto pré-eleitoral (como fez António Costa antes das legislativas de 2015). Já em 2011, no frente a frente entre Passos Coelho e Paulo Portas, o então líder do CDS sugeria que o importante era os dois partidos de direita terem a maioria de deputados e pouco importava se cada um tivesse metade. Ou seja, a direita formaria Governo mesmo que o PS fosse o mais votado.

Importa por isso recordar que o que foi inédito em 2015 foi uma outra coisa: pela primeira vez, o partido mais votado não fez parte do campo político com mais deputados. No passado, quando o PSD formou Governo, a maioria dos deputados esteve sempre à direita (a exceção é mesmo 1985, quando o PRD, um partido difícil de catalogar, baralhou as contas). Do mesmo modo que quando o PS foi Governo a maioria de deputados estava à esquerda (foi assim com Mário Soares e depois disso com António Guterres).

O que mudou foi que, ao contrário do que sempre aconteceu, quebrou-se o muro que impossibilitava o compromisso entre PS e partidos à sua esquerda. No passado, o PSD viabilizou Orçamentos de Governos do PS, mas existia uma maioria de esquerda, que, contudo, era incapaz de dialogar. O PS, pelo contrário, nunca precisou de viabilizar Orçamentos de Governos do PSD, porque os sociais-democratas conseguiram sempre entendimentos com o CDS.

Não vale a pena reescrever a História, até porque, após o dia 30 de janeiro, de novo, a responsabilidade de formar Governo deve recair sobre o partido mais votado do bloco político maioritário. No fundo, o que aconteceu em 2015 após as legislativas e nos Açores nas últimas regionais (quando o PS foi o mais votado mas a maioria de deputados estava à direita).

A pergunta que se coloca é por isso distinta da que tem sido sugerida, designadamente quando se insiste num cenário alternativo de bloco central. Se das eleições resultar uma maioria parlamentar de direita, mas o PSD tiver menos votos do que o PS, o que é que Rui Rio vai fazer? É que, perante o cenário simétrico, a resposta de António Costa já é conhecida. Na verdade, a de Rio também: nos Açores o PSD formou Governo.»

.

0 comments: