29.4.25

Não sei o que se passou. Sei que não se podia ter passado

 


«Estou a escrever este texto às 18h15 de 28 de Abril de 2025, um dia que ficará para a História por nos mostrar o que pode acontecer a uma sociedade totalmente dependente da electricidade quando a energia eléctrica falha. Escrevo este texto à mão, num bloco de notas amarelo da Amazon, que me chegou num dia em que havia electricidade. O meu computador está com pouca bateria e achei melhor não a gastar a escrever um texto de raiz, porque demora demasiado. Quando estiver pronto, planeio passá-lo para o computador, esperando que por essa altura o mail ou o WhatsApp já funcione, e o PÚBLICO o possa publicar. Talvez não possa. Talvez o jornal nem chegue a ser impresso.

À hora a que escrevo, não sei ainda o que se passou neste dia. Há quem fale num incêndio em França que atingiu linhas de alta tensão. Há quem fale num problema grave na rede eléctrica espanhola, de onde estaríamos a importar 30% da energia ao final da manhã. Sem esses 30%, a rede nacional ficou sem capacidade de resposta e deu-se o apagão, não sei se por decisão da REN ou por falha do sistema. Na verdade, não sei nada, excepto isto: o que quer que tenha acontecido, não poderia ter acontecido assim. Porque não ficámos só sem luz. Ficámos também sem comunicações. Ficámos sem boa parte dos transportes públicos (a CP já estava em greve, como sempre acontece após fins-de-semana prolongados, e por aí não se notou a diferença). E, nalguns casos, ficámos sob ameaça de um corte de água.

Certamente irão aparecer muitos especialistas a explicar-nos o que é que se passou, mas convém que ninguém se engane: isto é um problema político antes de ser um problema técnico, porque nós chegámos aqui por opções políticas de vários governos – e, pelo que se viu neste dia trágico, por muita ignorância e incompetência técnica.

Vamos cá ver: nós não fomos atacados pelo senhor Vladimir Putin. A Ucrânia foi, e muito, e nem ela teve um apagão igual a este. Nós não fomos vítimas de um ataque nuclear. Aquilo que este dia inimaginável nos diz é o seguinte: Portugal pode ficar sem electricidade, sem comunicações, e até sem água, porque uma rede de alta tensão ardeu em França ou porque houve um problema grave na rede espanhola. Peço desculpa pela pergunta: quando é que nós vendemos a nossa soberania energética à Espanha e à França? Quando é que nós fomos informados que um bater de asas de uma borboleta em Madrid poderia causar uma catástrofe eléctrica em Portugal?

Ouvir Luís Montenegro dizer na tarde deste dia, com milhares de portugueses a vaguear desesperados pelas ruas, que a culpa não é nossa porque o incidente não teve origem em Portugal, é patético. Ouvir o ministro da Coesão Territorial a levantar a hipótese de um ataque cibernético, ao mesmo tempo que era desmentido por quem tem a tarefa de vigiar ataques cibernéticos, é risível. Ver os primeiros-ministros de Portugal e Espanha, mais de sete horas após o apagão, declararem que não faziam ideia do que aconteceu, é do domínio do inconcebível.

Temos Estados gigantescos e gargantuescos, que consomem quase metade da riqueza nacional. Temos de perguntar a quem manda: se o Estado não serve para assegurar o mais básico do básico, serve para quê? A privatização da REN vai ser questionada – e bem, porque nunca deveria ter acontecido. Mas o problema vai muito para além da REN. É a mediocridade deste Estado que nos deve preocupar a todos. E a forma como o Governo apagou com este apagão não pode descansar ninguém.»


0 comments: